terça-feira, 3 de maio de 2016

Sobre ser mãe de verdade

Ontem fui levar o Lucas na otorrino. Ou seja, três horas, só nós dois. Sem grandes entretenimentos, sem "segura aqui um minuto que eu queria fazer xixi", nós dois e o mundo.

Nessas três horas, eu vi meu filho.

Tímido. Depois, extraordinariamente extrovertido. Mexendo com as pessoas. "Ó!", mostrando o RG. Ou me fazendo corar ao apontar uma senhora, "vovó!". Depois subindo e descendo de cadeiras, procurando bichos numa revista para imitar os sons que fazem, apontando a TV e gritando "GOOOOL!" freneticamente porque estava numa vinheta de futebol.

Sempre me surpreendo nessas ocasiões. Sempre me vejo num quarto sem paredes, sem janelas, em que a única coisa que existe é ser mãe. E descobrir todas as possibilidades e dramas desse ser que mora em mim e, ao mesmo tempo, sou eu. É um quarto incrível e tem tudo que preciso, com minha família nele.


Cheguei em casa na hora de buscar a Cacá na escola.

Abraço, beijo, "tudo bem?". "Tudo bem". "Hoje tem ballet". "Ah... não quero ir".

Perguntei "como foi seu dia, hoje?" umas quatro vezes. "Tudo bem. Pisei na unha da tia Fernanda e não sabia que estava machucada". " Você pediu desculpas?". "Pedi. Ela falou que doeu só um pouquinho".

E então, depois de um silêncio...

- Sabe? Hoje, a Fulana (amiguinha que ela gosta enormemente) queria brincar disso, eu queria brincar daquilo, e daí ela falou que todas as minhas brincadeiras são chatas. E que eu também sou chata.

- Ah... - é como se o mundo inteiro parasse e eu simplesmente sentisse: tenho um estômago e ele foi atingido.

- Eu fiquei triste.

Tentei meu melhor. Expliquei que nem todo mundo está bem todos os dias. Que lidar com "não" é difícil, que a amiguinha dela talvez não tenha sabido lidar com o "não" que ela ofereceu para a brincadeira alheia. Que se ela acha a brincadeira dela legal, isso é suficiente, nem todo mundo é obrigado a achar - vamos ver se a gente acha mais alguém que goste pra brincar junto? E que a gente sempre pode revezar a brincadeira - a gente brinca do seu e depois do meu. Eu me desdobrei.

- Você está melhor?

- Estou.

- Isso tem alguma coisa a ver com você não querer ir ao ballet?

- Não. Eu só pensei na minha cabeça e não quero ir.

Mas tinha.

Então chegamos em casa. Dei a ela um pão diferente para experimentar, fomos nos arrumando pra tomar banho, brincando e conversando. Sabe, se você quiser ir no ballet, vá. Ninguém pode decidir isso por você. Nem a mamãe, então, se não quiser ir ao ballet, não vá.

- Sabe, mamãe? Eu pensei melhor aqui na minha cabeça e vou ao ballet.

Saiu do ballet outra criança. Rindo, brincando. Tive um compromisso depois, mas quando cheguei em casa, uma hora depois, ela nem estava triste porque o pãozinho diferente deu tosse - "tudo bem". Brincamos. Estava de volta a minha Ana, a alegre Ana que sorri pra mim todos os dias - graças a Deus.

E então eu pensei no Lucas. Pensei que estava preocupada porque eu e o Lucas estaríamos no nosso quarto branco por algumas horas e "será que eu vou dar conta de simplesmente ser mãe? sem brinquedo, sem ajuda, sem ambiente seguro para crianças? será?". E vi, que preocupação pequena. Podemos cuidar dos passos dos nossos filhos, podemos cuidar deles fisicamente, podemos controlar nossas ansiedades e faltas de paciência, mas e cuidar daquilo a que nossos filhos são expostos pelos outros - cuidar deles emocionalmente?

Esse é o grande desafio e deveria ser sempre a minha grande preocupação. Prepará-los emocionalmente. Acolhê-los. Respirar fundo e tentar entender o que está por trás da má vontade, da braveza, do "não quero!". Amá-los, indefinidamente, tentando calçar seus sapatos.

Minha mãe ficava possessa quando diziam que "crianças às vezes são difíceis". Ela me ensinou e eu acredito, seres humanos às vezes são difíceis. E, grandes ou pequenos, cada vez vejo menos diferença a não ser pelas reações dos mais velhos já terem sido moldadas socialmente - mas eles continuam impacientes, egoístas, birrentos e tantas outras coisas, muitas vezes, apesar da idade. Só que se eu fizer a coisa certa, agora... se eu talvez simplesmente tentar fazer a coisa certa, agora, meus filhos cresçam um pouco mais seguros, um tanto emocionalmente mais saudáveis, muito mais felizes.

Aquelas preocupações e responsabilidades que a gente sabe que tem, mas nunca é demais lembrar.

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