segunda-feira, 25 de abril de 2016

Memória

Ontem Clara chorou e fez todo mundo chorar. Ela chorava pela minha mãe, que morreu três anos antes dela nascer, quase oito anos atrás.

- Mamãe, eu só tenho uma avó?

Eu assenti.

- Porque a outra avó morreu... né? A vovó Vera.

- É.

E então se desenredou uma cena que eu jamais poderia prever, imaginar, construir. Ela lamentou.

- Sabe? Eu queria conhecer a vovó Vera. Queria saber como é a voz dela. E o jeito. Queria mostrar pra ela o brinquedo que eu ganhei. Queria ir na casa dela. Mas não posso. Né? Não posso ligar pra ela...

Tanta impotência.

- Por que não posso ligar pra ela? Por que ela não pode me buscar na escola? Por que a hora dela chegou tão rápido? Ela fez alguma coisa errada? Ou ela simplesmente morreu?

A cada pergunta da Clara, as minhas memórias de todas essas coisas davam um nó. A voz dela, e o jeito. E a reação dela de me ver feliz com qualquer coisa que fosse. E a reação dela, feliz, quando chegava do trabalho e eu tinha feito pra ela qualquer coisa que fosse. Ela me buscando na escola, me ligando, "traz pão?". Ela simplesmente partindo, sem aviso, sem demora, e eu restando solitária e dolorida.

Abracei a Clara. Disse a ela o que eu acredito no mais profundo do meu ser:

Que a vovó não quer vê-la triste, que a vovó seria louca por ela, que a vovó foi uma pessoa incrível que só fez o bem nessa Terra. Que elas duas tem muitas coisas parecidas e que eu vou fazer o possível para que ela conheça a avó dela, mesmo que isso seja através das fotos ou dos relatos ou das coisas que ela deixou pra trás. Que a avó dela me encheu de amor, me encheu de proteção, me fez uma pessoa melhor e mais forte. Que a vovó está bem. E nós vamos ficar bem, também.


Antes de dormir, ela me pediu pra contar uma história da vovó Vera. Eu contei de quando fomos pra Ubatuba e ela fez uma vasilha tão grande de salada de macarrão que deixou a todos nós traumatizados de tanto comer isso. Uma história boba, mas ela riu. Era isso que eu queria. Que a avó, que para a Clara é uma ausência (como pude ver ontem, uma ausência até dolorida), pudesse ser o que é pra mim, apesar de toda a saudade: alegria. Riso. Coisas simples costurando os dias e fazendo deles dias melhores. Meu laço com a história anterior a mim e minha mola para enfrentar o que virá. Remanso e amor.

Ela dormiu colada em mim. Ainda me fez o pedido que tantas vezes eu fiz a minha mãe:

- Me acorda, amanhã? Quero acordar junto com você.

Não prometi nada. Sabia que não teria coragem. Olhando para ela na cama, eu era criança de novo. Minha mãe tinha a bolsa a tira colo e ia sair pra trabalhar. Ao ver os olhos dela me acenando tchau ao sair de casa, seriam meus olhos. O nó na garganta apertou. Eu só a beijei dormindo.

- Deus te abençoe, princesa.

Obrigada, princesa...

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