quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

De volta pra casa

Tantas coisas desde a última postagem. Fiquei tanto tempo sem escrever.

Não contei da minha afilhada linda, linda, e muito amada. Certamente, o presente mais encantador que 2016 poderia me trazer, e nos braços de gente que eu amo tanto, que me faz tão bem. O mundo ficou mais bonito com a Laura nele. E com a Lívia, que é minha sobrinha do coração e de quem eu consegui arrancar beijinhos esse ano!rs.

Não contei das peripécias dos meus filhos, do Lucas começando a falar, da Clara cada vez mais eloquente. Não contei das restrições alimentares da família inteira e do perereco que é conviver em sociedade quando você come totalmente diferente de todo o mundo...rs.

E não contei do emprego novo.

Eu viajei um dia de carro a serviço e verbalizei para o colega que estava comigo, "eu já fiz as pazes com isso, sabe. Eu sempre vou trabalhar aqui. Longe de casa. Não vejo perspectiva que me faça sair daqui". Ele respondeu, "só um concurso em São José, né?". E eu lembrei do concurso que eu fiz. O concurso em que eu fiquei lá, na lista, e só tinha uma vaga, e eu sem esperança nenhuma de ser chamada. Nenhuma. "É. Só um milagre. O milagre de fazer, passar num concurso, a vaga ser em São José, o salário ser compatível, Acho bem difícil. Na verdade, não vejo isso acontecendo".

E aí, na outra manhã, no meio de uma conversa que estava me deixando louca, as obras me deixando louca, o machismo inerente ao campo de trabalho me deixando louca, chegou um e-mail. Um e-mail da prefeitura daqui de São José me pedindo pra dar um ok se eu tivesse interesse na vaga. E toca mandar resumo de curriculum pra ver pra que setor vai. E toca fazer exame médico. Sair de férias no emprego antigo pra dar conta. Surtar com medo de não dar certo. Surtar um pouquinho com medo de dar certo - pra onde eu estou indo? Pra onde, meu Deus?

Acho que é coisa de anjo, e eu tenho alguns anjos intercedendo por mim lá em cima. Ainda teve surpresa com requinte, como eu chegando em casa e dizendo "queria muito ir pra aprovação de projetos, mas me colocaram na Secretaria de Obras. Tá bom, também, amanhã vou lá conhecer o setor", e no outro dia acordar, ir conhecer o setor e o setor ser a aprovação de projetos. Deus é bom e eu definitivamente não sei de nada.

E conhecer gente. Gente que você vê pela primeira vez e se vê ser transportado para o passado. Para coisas que você já amou e esqueceu. Já acreditou mas preferiu não ter esperanças. Já estudou mas guardou numa gaveta, porque "onde é que eu vou usar isso?". O trabalho novo me fez tirar da gaveta os itens mais preciosos de desenho técnico, que eu queria tanto usar, e também trouxe desafios com um monte de leis que, Jesus, eu estou tentando aprender...rs. E gente que te faz pensar no futuro. Que te cutuca. "Por que você não faz isso? Por que você parou? Por que você continua? Por quê?".

Ao mesmo tempo, fico fazendo conta de quando vou conseguir ir até Taubaté tomar um café com gente tão querida. Gente que me manda mensagem, que fala no skype, que pergunta se eu não vou escrever no blog... Gente que me marcou profundamente e faz parte do que sou hoje.

Sei que, de tudo que 2016 me trouxe, o que mais me marcou foi essa palavrinha tão pequena: hoje. A soma de tudo que eu vivi. As promessas de tudo que virá. E a mágica de enfrentar um dia de cada vez, dando meu melhor, e confiando no universo. Let it be.


Me sinto de volta pra casa. Sem nunca ter deixado minha casa, mas parece que eu me deixei, sabe? Eu acho que vive um tempo fora de mim. Vivendo coisas lindas, construindo esse momento, sabendo que precisava passar por isso.

Ainda assim, é gostoso demais estar de volta. =)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Não me representa, aos quatro anos

- Então a Dilma saiu?

- Foi afastada. Sim, ela saiu.

- E quem é o presidente, agora?

- Michel Temer.

- Não aceito. Não é meu presidente.


De onde vem, eu não sei muito bem. Conversamos sobre política com todo tipo de pessoas que frequentam nossa casa, gente que amamos e tem as opiniões mais diversas. Tem gente de direita, esquerda, extrema direita, esquerda da esquerda, tem eu, que sou tão negativista que acho que nada daria certo, nem o anarquismo. Ana Clara me sai com essa. ^^



sexta-feira, 6 de maio de 2016

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Da série, inesperado

- Mamãe, sabe o que eu queria, um dia?

- O que, meu amor?

- Conhecer o Japão.

- O... Japão? Ok... um dia.. é. A gente pode pensar em conhecer o Japão.

- É muito longe?

- É, um tanto.

- Mas a gente pode ir todo mundo, né? Eu, você, o papai e o Lucas. E o Hórus. Conhecer o Japão.


E essa, agora?
Oo


quarta-feira, 4 de maio de 2016

Sobre nascer

Clara sempre falou que vai ter outro irmão. Irmã. Que quer outro irmão. Vira e mexe volta nesse tópico. E, também, vira e mexe, fala que tudo bem, que o Lucão de irmão tá ótimo.

Aí ontem, assistindo a Valente.

- Olha, mamãe! Ela tem três irmãozinhos!...

- Verdade, filha. Todos ruivinhos! Já pensou? Três Lucas?...rs.

- Acho que ia dar muito trabalho!...

Ficou em silêncio. Depois me falou:

- Sabe, quando tiver outro irmãozinho, ele vai sair da barriga!

E eu, sem entender:

- Oi, filha? Como assim?

- Da BARRIGA!... Nada de hospital. O irmãozinho vai nascer aqui em casa.

Eu não consegui parir meus filhos e os dois nasceram no hospital. Eu não tenho planos para um terceiro filho. Mas, de todas as coisas, consegui demonstrar para minha filha o que eu acredito ser nascer com respeito...

terça-feira, 3 de maio de 2016

Sobre ser mãe de verdade

Ontem fui levar o Lucas na otorrino. Ou seja, três horas, só nós dois. Sem grandes entretenimentos, sem "segura aqui um minuto que eu queria fazer xixi", nós dois e o mundo.

Nessas três horas, eu vi meu filho.

Tímido. Depois, extraordinariamente extrovertido. Mexendo com as pessoas. "Ó!", mostrando o RG. Ou me fazendo corar ao apontar uma senhora, "vovó!". Depois subindo e descendo de cadeiras, procurando bichos numa revista para imitar os sons que fazem, apontando a TV e gritando "GOOOOL!" freneticamente porque estava numa vinheta de futebol.

Sempre me surpreendo nessas ocasiões. Sempre me vejo num quarto sem paredes, sem janelas, em que a única coisa que existe é ser mãe. E descobrir todas as possibilidades e dramas desse ser que mora em mim e, ao mesmo tempo, sou eu. É um quarto incrível e tem tudo que preciso, com minha família nele.


Cheguei em casa na hora de buscar a Cacá na escola.

Abraço, beijo, "tudo bem?". "Tudo bem". "Hoje tem ballet". "Ah... não quero ir".

Perguntei "como foi seu dia, hoje?" umas quatro vezes. "Tudo bem. Pisei na unha da tia Fernanda e não sabia que estava machucada". " Você pediu desculpas?". "Pedi. Ela falou que doeu só um pouquinho".

E então, depois de um silêncio...

- Sabe? Hoje, a Fulana (amiguinha que ela gosta enormemente) queria brincar disso, eu queria brincar daquilo, e daí ela falou que todas as minhas brincadeiras são chatas. E que eu também sou chata.

- Ah... - é como se o mundo inteiro parasse e eu simplesmente sentisse: tenho um estômago e ele foi atingido.

- Eu fiquei triste.

Tentei meu melhor. Expliquei que nem todo mundo está bem todos os dias. Que lidar com "não" é difícil, que a amiguinha dela talvez não tenha sabido lidar com o "não" que ela ofereceu para a brincadeira alheia. Que se ela acha a brincadeira dela legal, isso é suficiente, nem todo mundo é obrigado a achar - vamos ver se a gente acha mais alguém que goste pra brincar junto? E que a gente sempre pode revezar a brincadeira - a gente brinca do seu e depois do meu. Eu me desdobrei.

- Você está melhor?

- Estou.

- Isso tem alguma coisa a ver com você não querer ir ao ballet?

- Não. Eu só pensei na minha cabeça e não quero ir.

Mas tinha.

Então chegamos em casa. Dei a ela um pão diferente para experimentar, fomos nos arrumando pra tomar banho, brincando e conversando. Sabe, se você quiser ir no ballet, vá. Ninguém pode decidir isso por você. Nem a mamãe, então, se não quiser ir ao ballet, não vá.

- Sabe, mamãe? Eu pensei melhor aqui na minha cabeça e vou ao ballet.

Saiu do ballet outra criança. Rindo, brincando. Tive um compromisso depois, mas quando cheguei em casa, uma hora depois, ela nem estava triste porque o pãozinho diferente deu tosse - "tudo bem". Brincamos. Estava de volta a minha Ana, a alegre Ana que sorri pra mim todos os dias - graças a Deus.

E então eu pensei no Lucas. Pensei que estava preocupada porque eu e o Lucas estaríamos no nosso quarto branco por algumas horas e "será que eu vou dar conta de simplesmente ser mãe? sem brinquedo, sem ajuda, sem ambiente seguro para crianças? será?". E vi, que preocupação pequena. Podemos cuidar dos passos dos nossos filhos, podemos cuidar deles fisicamente, podemos controlar nossas ansiedades e faltas de paciência, mas e cuidar daquilo a que nossos filhos são expostos pelos outros - cuidar deles emocionalmente?

Esse é o grande desafio e deveria ser sempre a minha grande preocupação. Prepará-los emocionalmente. Acolhê-los. Respirar fundo e tentar entender o que está por trás da má vontade, da braveza, do "não quero!". Amá-los, indefinidamente, tentando calçar seus sapatos.

Minha mãe ficava possessa quando diziam que "crianças às vezes são difíceis". Ela me ensinou e eu acredito, seres humanos às vezes são difíceis. E, grandes ou pequenos, cada vez vejo menos diferença a não ser pelas reações dos mais velhos já terem sido moldadas socialmente - mas eles continuam impacientes, egoístas, birrentos e tantas outras coisas, muitas vezes, apesar da idade. Só que se eu fizer a coisa certa, agora... se eu talvez simplesmente tentar fazer a coisa certa, agora, meus filhos cresçam um pouco mais seguros, um tanto emocionalmente mais saudáveis, muito mais felizes.

Aquelas preocupações e responsabilidades que a gente sabe que tem, mas nunca é demais lembrar.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Sobre redomas e "the odd one out"

Quando descobrimos o lance das alergias alimentares, uma decisão veio latente: Clara vai enfrentar e conviver com o resto do mundo normalmente. Não vamos nos esconder das pessoas, das festas, dos restaurantes. Vamos fortalecê-la para enfrentar. Vamos ensinar a ela que tudo bem ser "the odd one out". Você não precisa olhar para onde todos estão olhando, dançar o que todos estão dançando, comer o que todos estão comendo. Você é você, nem melhor e nem pior, apenas igual a todos e única nas suas particularidades.

Funciona? Funciona.

Eu me admiro da coragem e da determinação dela.

Recusou a bala na aula de ballet.
Devolveu a sacolinha de guloseimas que os vizinhos deram no Halloween.
Não me pede as tranqueiras de supermercado ou aniversário. Quase sempre.

Quase sempre.

Mas tem uns dias...

Tem uns dias em que ela aponta e diz, "vê se é corante natural! vê se esse não tem conservante!". Não é corante natural. Tem conservante. "Eu posso? Hein, mamãe? Esse eu posso?". Não pode.

E não pode.
E não pode.
E não pode.

E eu sei, saudável. Ela não pode tomar refrigerante? Lucro. Ela não pode comer milhares de açúcares coloridos? Lucro. Sem glutamato monossódico na minha casa? Lucro.

Mas.

Mas e todas as outras crianças?
E todo mundo rodando em torno das guloseimas, todo mundo fazendo pintura no rosto, todo mundo enchendo os bolsos de bala? E as tias que vem atrás com um pirulito que ela recusa enfiando o rosto na minha blusa - "fala pra ela, mamãe! Fala!".

Eu mudei o discurso.
Não falo mais, "ela não pode". Eu falo "não comemos balas, obrigada".

Mesmo assim, nesses dias, dói. Nesses dias eu fico matusquelando se seria mais fácil se fosse por ideologia. Eu até tinha muita ideologia, mas a minha ideologia incluía não comprar refrigerantes e nem sucos com açúcar adicionado, não incluía ficar neurótica com salgadinhos de festa de aniversário pensando se tem pomarola na coxinha ou requeijão no pastelzinho de milho. E o milho, é conversa? Mas conserva de ácido cítrico ou tem alguma outra coisa? Tem um rótulo pra eu ler?

E aí, nessas coisas doloridas, a minha primeira decisão sofreu um pequeno impacto. Na verdade, uma pequena adaptação. Clara vai enfrentar, vamos fortalecê-la para enfrentar - mas sua casa será o seu reino. Na sua casa as comidas, bebidas, sobremesas serão todas inclusivas. Vamos receber todos que quiserem nos visitar, mas a pizza não pode ser de calabresa, nem portuguesa, nem de atum. Na casa dos outros eu explico - come essa, gatinha, que as outras tem "lixinho"!. Mas na casa dela... Na casa dela, não.

Dentro da sua própria casa, ela não será exceção. E acho que fiquei tão presa nisso, que nem percebia que fazia da Clara regra.

Tem queijo, mas não tem embutido.
Tem suco, mas eu me benzo se vejo uma garrafa de refrigerante.
Gostam de paçoca e brigadeiro? Não temos sorvete.

Mas temos amor. E um mundo novo - mais um, de tantos mundos novos - que a maternidade me descortinou.

E, se você aceitar um conselho... Permita-se.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Memória

Ontem Clara chorou e fez todo mundo chorar. Ela chorava pela minha mãe, que morreu três anos antes dela nascer, quase oito anos atrás.

- Mamãe, eu só tenho uma avó?

Eu assenti.

- Porque a outra avó morreu... né? A vovó Vera.

- É.

E então se desenredou uma cena que eu jamais poderia prever, imaginar, construir. Ela lamentou.

- Sabe? Eu queria conhecer a vovó Vera. Queria saber como é a voz dela. E o jeito. Queria mostrar pra ela o brinquedo que eu ganhei. Queria ir na casa dela. Mas não posso. Né? Não posso ligar pra ela...

Tanta impotência.

- Por que não posso ligar pra ela? Por que ela não pode me buscar na escola? Por que a hora dela chegou tão rápido? Ela fez alguma coisa errada? Ou ela simplesmente morreu?

A cada pergunta da Clara, as minhas memórias de todas essas coisas davam um nó. A voz dela, e o jeito. E a reação dela de me ver feliz com qualquer coisa que fosse. E a reação dela, feliz, quando chegava do trabalho e eu tinha feito pra ela qualquer coisa que fosse. Ela me buscando na escola, me ligando, "traz pão?". Ela simplesmente partindo, sem aviso, sem demora, e eu restando solitária e dolorida.

Abracei a Clara. Disse a ela o que eu acredito no mais profundo do meu ser:

Que a vovó não quer vê-la triste, que a vovó seria louca por ela, que a vovó foi uma pessoa incrível que só fez o bem nessa Terra. Que elas duas tem muitas coisas parecidas e que eu vou fazer o possível para que ela conheça a avó dela, mesmo que isso seja através das fotos ou dos relatos ou das coisas que ela deixou pra trás. Que a avó dela me encheu de amor, me encheu de proteção, me fez uma pessoa melhor e mais forte. Que a vovó está bem. E nós vamos ficar bem, também.


Antes de dormir, ela me pediu pra contar uma história da vovó Vera. Eu contei de quando fomos pra Ubatuba e ela fez uma vasilha tão grande de salada de macarrão que deixou a todos nós traumatizados de tanto comer isso. Uma história boba, mas ela riu. Era isso que eu queria. Que a avó, que para a Clara é uma ausência (como pude ver ontem, uma ausência até dolorida), pudesse ser o que é pra mim, apesar de toda a saudade: alegria. Riso. Coisas simples costurando os dias e fazendo deles dias melhores. Meu laço com a história anterior a mim e minha mola para enfrentar o que virá. Remanso e amor.

Ela dormiu colada em mim. Ainda me fez o pedido que tantas vezes eu fiz a minha mãe:

- Me acorda, amanhã? Quero acordar junto com você.

Não prometi nada. Sabia que não teria coragem. Olhando para ela na cama, eu era criança de novo. Minha mãe tinha a bolsa a tira colo e ia sair pra trabalhar. Ao ver os olhos dela me acenando tchau ao sair de casa, seriam meus olhos. O nó na garganta apertou. Eu só a beijei dormindo.

- Deus te abençoe, princesa.

Obrigada, princesa...

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Desconfianças

Queria ter filmado a conversa que tive com Ana Clara ontem a noite, o rito de admissibilidade do impeachment já caminhando para o fim.

- Mamãe... A Dilma vai sair...

Ela tinha percebido. Eu tinha percebido, também, mas eu sabia quanto era 2/3 dos votos. A Clara não sabia, mas o clima, a conversa, as pessoas bradando sim, a alegria deles... Ela é esperta. Bem esperta. Por mais que eu tenha tentado várias vezes o "olha só, vamos colocar um desenho no NetFlix?". Colocamos. Ela continuou pescoçando o congresso.

- É, filha, tudo indica que a Dilma vai mesmo sair. Mamãe não sabe muito bem como se sente com tudo isso. Acho que é tudo muito confuso e acho que está tudo errado.

Tive que dar uma pequena explicação sobre o motivo do impeachment. "Mamãe, ela roubou mesmo?". Tive que explicar que a suspeita não é exatamente essa. Mas como explicar pedalada fiscal para os quatro anos da minha filha? Eu disse que ela contou uma mentira. E a gente não deve mentir.

- Eu não gosto quando ela mente.

- Ninguém gosta. Mentir é muito errado.

- Mas queria que ela tivesse outra chance.

A grandeza dos quatro anos. Implacável.

- Quem vai ser o presidente se ela sair mesmo?

- Michel Temer.

A cara de bunda que ela fez eu não consigo explicar. Mas é a minha cara quando escuto que Michel Temer vai ser meu presidente, provavelmente. Clara nunca me viu reagir negativamente ao nome dele, evito me manifestar negativamente sobre qualquer coisa perto dela, mas tem certas coisas que o DNA carrega, parece.

- Esquisito.

- Isso resume bem, Ana Clara. Esquisito.

- Mamãe, se a Dilma não for mais presidente, eu não quero mais morar aqui! - atacou a "síndrome Lobão" - Eu quero morar numa casa que tenha uma TV em que a Dilma ainda é presidente!...

Clara... Minha Ana Clara. Não é assim que a gente resolve as coisas. Tentei não rir e explicar que ela não pode simplesmente "ir pra Miami". Tentei explicar o que é democracia. Mas tentei, acima de tudo, ter empatia. Por todos. Tentei me colocar no lugar da minha filha e entender seus anseios diante desse clima instável. Tentei me colocar no lugar daqueles que acreditam que isso tudo é para o bem. Eu tentei me transportar para todos esses lugares. Mas há lugares em que me parece impossível habitar. Lugares de intolerância. De desrespeito. Lugares em que a Dilma é "vaca" e um deputado é "um viadinho". Lugares em que se fala de Deus para defender interesses pessoais, muitas vezes direitos escusos. No meio dessa empatia impossível, eu disse a minha filha:

- Você vai ficar bem, nós vamos ficar bem, e nós vamos batalhar para construir um país em que acreditemos.

Clara sorriu. Mas fomos dormir marcadas pela desconfiança.



sexta-feira, 1 de abril de 2016

Ciumentos

Ontem estava lambendo os dois. Abraçados, na cama, eu enchia um de beijinhos, depois o outro. Lucas está aprendendo a dar beijos melhor, o que antes era uma boca aberta e uma língua de fora está se tornando um beijinho, mesmo, às vezes até estalado.

E Clara estava com ciúmes.

- Lucas, dá um beijo em mim!

- Lucas, você já beijou a mamãe, quero um beijo pra mim!

- Lucas, me dá um beijo...!

E ele, como toda criança perseguida e procurada, fazendo charme. Sorria e fechava os olhos, pesados de sono, depois virava e me beijava mais uma vez. Não aguentei:

- Ih, acho que tem gente que vai ter muuuito ciúme quando o irmãozinho começar a namorar...!

Ela sorriu:

- Ele vai crescer e eu também e nós vamos namorar!

É tanta inocência. Namorar pra ela é estar junto. É cuidar. Gostar. Eu só esclareci:

- Olha, filha, vocês vão crescer e namorar outras pessoas... Irmãos vocês serão pra sempre...

E então, o encanto se quebrou. Os olhos dela marejaram:

- Ele vai namorar outra pessoa?

- Vai, se quiser namorar. E você também, se for a sua escolha.

- Mas aí, ele vai casar com ela?

Agora a voz já foi ficando embargada, meio chorosa. Respondi:

- Se eles resolverem se casar, sim.

- E vão morar em outra casa?

- Não sei, filha. Tantas coisas pra acontecer. Tanto tempo... Uma coisa de cada vez.

Agora era choro, e de verdade:

- Eu não quero! Eu não quero que o Lucas case e vá morar em outra casa! Você fala pra ele, se ele crescer e casar, que ele tem que morar nessa casa, todo mundo, quero todo mundo junto...!

Acalmei a Clara.

Falei pra ela que não tem pressa, cada coisa a seu tempo.

Lembrei a ela de todas as pessoas que nós amamos e que não moram conosco, e que mesmo assim são muito, muito próximas de nós.

Ela aos poucos foi se desligando disso e continuou reclamando beijos. Ganhou alguns. Dormiram grudados, os irmãos.

E eu derreti, um pouquinho, no meio de tanto amor.


quinta-feira, 31 de março de 2016

No Feriado

- O que você mais gostou do seu dia?

- De brincar com a mamãe! De aula de ballet...

- E o que você menos gostou? O que você não gostou?

- Hum... não teve nada.

Não teve nada.

E meu coração explodiu em purpurina...

terça-feira, 29 de março de 2016

Planejamento Familiar, uma lição

Clara diz que não quer ter filhos. Ela tem quatro anos, eu sei, quanta água para passar por debaixo da ponte... Nem por isso eu desprezo esse comentário. Se hoje ela não quer ter filhos, tudo bem. Quem sabe mais pra frente. Se não quiser mais pra frente, tudo bem, também. É uma decisão dela. Então sempre que essa fala dela gera muitos comentários, eu reforço: é sua decisão. Você quem sabe. Ninguém pode decidir por você. De qualquer maneira, não precisamos resolver isso agora.

(Confesso que às vezes faço um adendo: "mas a mamãe se tornou muito mais feliz quando vocês chegaram...").

Ontem, ela me disse que quando ela crescer, vai ser "a outra mamãe". Que eu e o papai vamos ser os filhinhos dela, que ela vai cuidar de nós, e o Lucas vai ajudar.

Depois pensou um instante.
- Mamãe... quem decide se a gente vai ter filhinhos? A gente ou o Papai do Céu?

Isso foi uma informação nova, pra mim. Alguém deve ter dito isso. De todo, não acho que esteja errado.
- Bom, filha, acho que são as duas partes, sabe? A gente decide, mas às vezes Papai do Céu tem outro plano pra nós. Só o tempo para a gente entender como as coisas se desenlaçam...

Mais um minuto pensando.
- Então, se você quiser... você pode resolver ter mais um filhinho.

Me pegou desprevenida...rs.
- É... podemos, eu e papai. Não é algo que estamos considerando.

- Mas vocês poderiam ter mais um filhinho.

- Se decidíssemos por isso, e se for o plano de Deus pra nós, sim. Mas, sabe, mamãe e papai estão muito felizes com você e o Lucas. Ter mais uma criança implicaria ter mais alguém para dividir a atenção. Para pedir colo. Para dividir a cama... Ter o Lucas de irmão já é bem legal, né?

- É. Mas vocês podiam ter mais um. Eu quero mais um irmão, um só. Se for uma menina, pode chamar Isabela. Se for menino... Joaquim!

- E você não liga de dividir a mamãe e o papai com mais um?

- Ligo. Mas a gente divide, ué.


Clara sempre me surpreende. Brincamos mais um pouco sobre nomes, ela disse que se for outra menina não pode chamar Ana, que Ana é ela. Depois eu reforcei:

- Mas, sabe, filha... de verdade. Mamãe e papai estão felizes com você e o Lucas. Pra nós, nossa família está completa.


E ela, me provando que sabe escutar mais do que ninguém...

- Mas igual você fala pra mim... Não precisamos resolver isso agora.


Posso com isso?rs.


quarta-feira, 23 de março de 2016

Pois é.

Fui num médico dermatologista para ver uma questão específica. Quando ele foi receitar o medicamento, eu pedi:

- Por favor, não sei o que você pretende prescrever, mas eu estou amamentando um bebê. Então, temos este porém...rs.

- Ah, pode deixar, prescrevo alguma coisa que não interfira.

- Ah, legal.

- Seu bebê está em amamentação exclusiva?

- Ah, não mais. Já come outras coisas.

- Quanto tempo ele tem?

Comecei a ficar incomodada.

- Um ano e três meses.

- Ah, então ele já está parando de mamar.

- Na...verdade...não.

- Mas você já vai tirar?

- Hum... não, também. Não estamos com pressa.

- Mas você não acha que ele pode ficar, sei lá, mimado?

Absurdada:

- Não... Eu interpreto comida e carinho como necessidades básicas, mesmo. Não como mimo...rs (sorriso amarelo, nessa parte).

- Mas você não tem nem um pouco de medo?

- Eu não. O senhor tem?

- Não... Veja bem, é o seu filho.

- Pois é.


A consulta acabou assim. Ele ficou sem graça. Eu fiquei sem graça, um pouco, por deixá-lo sem graça, mas achei muito bem feito.

É meu filho.

Vou amamentá-lo enquanto funcionar para nós dois.

Não tenho medo de que ele fique mimado por isso. Tenho outros milhões de medos.

Que ele cresça num mundo intolerante. Que ele cresça num mundo sem água. Que a ignorância vença o ponderar e o refletir. Esses medos. Amamentar não é medo. De tudo, em tudo, amamentar é coragem.

domingo, 20 de março de 2016

Sobre horas-extras

Passei o final de semana pensando no meu avô.

Convivi 6 rápidos anos com meu avô, sendo que destes me lembro de dois ou três. E, ainda assim, sinto que aprendi muito com ele.

Aprendi que se você colocar crianças num carro, você as entretém por minutos que parecem horas. Você pode fingir que está num táxi em que eles são os motoristas, ou que vocês estão numa viagem longa ou só sentar lá e esperar os brrrrs e as buzinas.

Aprendi a bater na porta e perguntar "ô, de casa! Tem gente?".

Aprendi  que ler livros longos requer paciência. Ele leu um que comprei e achei um saco.

Aprendi que tudo bem chorar no quarto.

Aprendi carinho, numa lição que durou seis anos. Acabou sem terminar...

E hoje me peguei pensando... O que estou deixando? Nesse tempo todo aqui... Ensinando? Motivando? Do que alguém sentiria falta?

Me senti fazendo hora-extra. Feliz de fazer hora-extra. Mas desnecessária. Me senti vazia. Me senti "apenas". Sabe? Muito pouco. Me senti tantas coisas...

E aí o Lucas chorou porque eu saí de casa e eu pensei, "ele não precisa muito de mim, mais, mas ainda não sabe". E, como estava indo na igreja, aproveitei para pedir a Deus...que enquanto tiver horas-extras, que me mande, por favor. Eu aceito todas. Agradeço. E vou usando pra ver se amanhã vou dormir com outro sentimento no peito...

quarta-feira, 9 de março de 2016

Pequenas Grandes Descobertas

- Qual o caminho pra casa?
- Eu sei!

E sai, destemida, da casa da cabeleireira.

- Tem que atravessar a rua, porque é pra lá.

- Tem que subir, agora!

- Tá pertinho.

Quase chegando lá, titubeou:
- Ai, mamãe. Acho que eu não sei. Melhor você escolher o caminho.
- Clara, confia.

Chegamos em casa.
E foi de primeira. ^^

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Alérgicos

Desde quando Clara começou no processo das alergias, a palavra que eu mais ouço quando falo delas é "tadinha".

"Tadinha", porque ela não pode comer uma bisnaguinha, tomar um refrigerante, comer de forma inconsequente os brigadeiros que não sei como foram preparados.

"Tadinha", porque não pode comer aquele salgadinho de isopor da feira e nem aqueles que vem na embalagem brilhante e metalizada na parte de dentro.

"Tadinha", porque criança deveria ir ao supermercado e poder escolher uma bala, um chocolate qualquer, uma bolacha.

Agora vieram as certezas de outras alergias. Alergias que não são alimentares, e mesmo assim derrubam. Os ácaros. Os gatos. Talvez a massinha. As tintas de cheiro forte. Tantas outras coisas. "Tadinha".

Eu fico me perguntando.

Quando foi que tantas dessas "comidas", coloridas, descartáveis, gordurosas, cheias de açúcar ou sódio - ou de açúcar E sódio -, conservantes, se tornaram sinônimo de afeto? Como foi que isso foi construído na cabeça das nossas crianças eu sei - nós mesmos ajudamos -, mas e nas nossas cabeças? Depois a galera fala que "não tem nada a ver, a responsabilidade não é da publicidade, é da mãe que deixa comer". Eu sou uma mãe que NÃO deixa comer. E ainda assim minha filha se sente deixada de fora porque não pode pegar aquele brigadeiro com granulado verde ou aquela bisnaguinha com presunto, acompanhados de um copo bem colorido de refrigerante laranja. Quando, como, a mando de quem - e, meu Deus, POR QUE - nossas crianças ficaram expostas a noção de que isso é comida DE CRIANÇA?

Eu não tenho pena da Clara por ela não comer essas coisas. Eu nunca quis que ela comesse essas coisas - mas às vezes me faltava voz diante de alguém querido que estava tentando apenas ser carinhoso nos padrões que a gente aprende que deve ser com crianças. Vai visitar? Leva um pirulito... O não da mãe engasgava: "um só". E aí vieram as alergias e eu me senti quase um profeta. Sabia que ela não deveria comer, que não faria bem pra ela, e agora tinha um motivo que me faria peitar quem fosse, sob pena de ser indelicada. "Ela não come, mas muito obrigada pelo gesto".

Eu tenho uma certa tranquilidade pela Clara não comer essas coisas. Acho a alimentação dela invejável - tanto que passei a adotá-la. Consegui em 90%. Estou esbarrando nos 10% das comidas que eu aprendi a interpretar como "de conforto", que só fazem mal pra mim, que só me deixam mais pra baixo quando eu termino de comer e percebo que não só não resolvi meu problema como coloquei um monte de toxinas pra dentro do meu organismo. E vejo os reflexos desse caminho. Mesmo diante dos brigadeiros liberados, feitos para ela e com os ingredientes que ela pode, Ana Clara por vezes come um e me diz no ouvido, "na geladeira tem goiaba. Eu quero goiaba!". Teve o caso inclusive de chorar porque o que tinha era uma GOIABADA, que a mamãe ganhou pra rechear um bolo, e ela achou que era a fruta. Lágrimas. Vi lágrimas porque tinha o doce, mas não tinha a fruta. Problemas de primeiro mundo.

Mas ainda assim tem horas que eu me pego pensando, sobre a Clara, "tadinha".

Vai ter aniversário na escola e ela vai ficar exposta a tudo que não pode comer, e vai se sentir ainda mais "the odd one out", a diferente, a fora do padrão.

Ou vai ter algum outro evento e ela vai ver um monte de coisas que eu não vou poder deixar ela comer.

E muitas vezes ela não vai nem pedir.

E às vezes, mesmo se eu descobrir que tem alguma coisa que ela pode, não vai nem aceitar - porque aprendeu a desconfiar, aprendeu que o mundo traz um monte de surpresas nas suas comidas, surpresas que para ela normalmente não são muito boas.

E às vezes ela vai pedir, vai me dizer "vamos fazer um teste!", e vai ficar borocoxô quando eu disser que já fizemos o teste, que ela sabe que não dá certo. Lembra? Ela lembra. Faz um biquinho, abaixa o olhar, me abraça, fala num sopro chorado "...eu queria tanto!".

Para me consolar, as pessoas falam que ela vai crescer e vai passar.

Eu me desafio todos os dias a acreditar que sim, ela vai crescer e vai passar. Mas não porque vamos depender da alergia ceder. Ela vai crescendo a cada dia, e a cada dia vou tentando ensinar a ela o que é viver em sintonia com seu corpo e com o mundo. Vou tentar ensinar cada vez mais de onde vem essas coisas que fazem mal não só pra ela, mas para todos nós, e porque é o melhor caminho optar por não comê-las. Vou tentar mostrar a ela que essas alergias foram, sim, um atropelo, mas como toda dificuldade vieram apenas para nos tornar mais fortes e mais cientes das nossas escolhas. Melhores. Tenho fé que como eu, que até poderia comer, que cresci comendo, que achava muitas dessas coisas uma delícia, ela não vai nem querer. Tenho fé e garra. Estou trabalhando pra isso.



Há mais ou menos um ano, não como salgadinhos.
Há mais ou menos um ano, não como enlatados.
Há um ano sem bolachas recheadas, fugindo de todas as outras bolachas que as vezes cruzam o caminho.
Há mais de seis meses, sem embutidos - confesso as ocasionais três rodelinhas de linguiça nos churrascos.
Há mais ou menos um mês no caminho de reduzir o açúcar por adição.
E só me sinto melhor. Mais saudável. E sei que meus filhos também estão.


As pessoas tem pena dela, pena do irmão que talvez também seja alérgico. Pena dos meus filhos. Tadinhos.
Mas eu sei que eles, Clara e Lucas, mesmo neste caminho inesperado que se mostraram as alergias, continuam como sempre sendo sol, para iluminar nossas escolhas. Nossa vida.



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Por quês

De todas as coisas que eu imaginava que Clara poderia me perguntar sobre o desfile das escolas de samba, na TV, nem passei perto disso:

- Mamãe, é isso?
- É isso. O desfile é esse. As pessoas, os carros alegóricos... É meio isso, mesmo, filha.
- Hum.
- É chato?
- Não. É legal. (entusiasmo zero. haha).
- Se você não quiser ver, não precisamos.
- Não, é legal.
- ...
- Quem é o chefe?
- Chefe? Filha, sabe, não tem bem essa coisa de hierarquia, não. Não tem chefe.
- Então todo mundo é o chefe?
- Não. É mais, assim, ninguém é o chefe.
- Hummm... (desconfiadíssima).


Depois de algum tempo, mostrando uma foliã aleatória:
- Mamãe, como ela chama?
- Filha, não sei.
- E essa? (mostrando outra)
- Mamãe também não sabe. Tem cinco mil pessoas, filha. Não vai aparecer o nome das cinco mil que estão desfilando só nessa escola.

Em tempo: não sei se são cinco mil, mas são muitos mil. Generalizei.

Nessa hora apareceu a madrinha de bateria, dona Fulana. Aí falei:
- Olha, essa aí apareceu o nome. É a dona Fulana, e ela é a madrinha de bateria.
- Nossa, que linda! Que fantasia linda! (tudo verdade).
- É, né, filha? Também achei.
- Mamãe...
- Eu.
- Por que você não foi assim, no Carnaval?


Tá decidido. Ano que vem vou de madrinha de bateria. ^^



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Daqui da Oca

Desde a Clara chegar eu me aproximei desse grupo, o grupo que se autointitula, ironizando como o mundo nos vê, "azíndia". As índias. Porque eu queria parir (não rolou), amamentar (tá rolando) e outras coisas assim.

E aí a Clara foi crescendo e eu também estava meio pra isso na alimentação, sem porcarias. Nas fraldas - ela teve assaduras, dá-lha fralda de pano.

Depois as alergias alimentares que dramatizaram tudo - nada com corante, conservante, nada industrializado. Segura o açúcar, a gordura, o negócio é fazer salada de frutas e ser feliz.

Chega o Lucas e eu continuo aí, com o peito de fora, ouvindo que "ele é muito grande pra mamar!" e outros blá blá blás sem nenhum embasamento científico e muito desrespeito pela convicção alheia.

E agora o Lucas tem alergia da fralda. Alergia, mesmo, nível "ai, não vai dar pra ficar de fralda!". Lá vamos para uma semana de fraldas de pano. E a alergia está sumindo.

Se eu sou índia, fica aqui meu respeito a esse povo conectado com a terra e mais próximo de Deus. Que prazer seria ser um deles - que orgulho representá-los nas minhas escolhas e atitudes.

Pode vir visitar.

Aqui na oca tem tapioca fresquinha e suco da fruta. Capaz de em breve a gente começar a plantar, porque a mamãe bem já anda dando preferência para o setor de orgânicos na feira. A gente prefere os pequenos produtores. A gente prefere roupa que demora pra fazer, com agulha e linha. A gente prefere tentar se reconectar à terra, na esperança da Terra durar mais. Bora?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Peixinha

Ontem, na otorrino, seguimos para uma audiometria - que deu supercerto, Clarinha escuta bem, tudo em dia.

Mas impagável foi o momento do exame.

Faz assim, põe aqui, senta ali, escuta o apito do trem, ok.

- Agora essa outra parte é pra ouvir o barulho da formiguinha, e você tem que ficar aqui nessa cabine...

Quando a fono abriu a porta, Clara me puxou pelo braço:

- Mamãe! Vou entrar na cabine! Igual ao Doctor Who!

<3



segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O que você vai ser quando você crescer?

Ana e os amiguinhos conversando.

- Quando eu crescer, vou ser veterinária.

- E eu vou ser médico!

- E você?

- Eu vou ser Winx!


Muitos desdobramentos, muitas explicações, Ana acabou escolhendo lá uma profissão para ser quando crescer, no lugar das fadas mágicas do desenho. Mas em tempos de amadurecimento precoce, de ver nossos filhos recebendo goela abaixo letras, números, notícias, informações e fatos, minha Ana teve espaço para sonhar - e eu fiquei feliz. Quando crescer, ela quer ser Winx. Mágica ela já é.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A lista de materiais e o frio na espinha

Sou nova nesse universo, ainda estou aprendendo a caminhar nele.

Fiz compras de listas de materiais escolares. Milhares de vezes. Pra mim. Adorava e até hoje, sejamos honestos, a nerd em mim se realizada passeando em papelaria.

Mas agora são outros quinhentos. Agora é a lista de materiais da Ana. E eu estou envolvida de tantos modos nela. Economicamente. Emocionalmente - quer coisa melhor que ver seu filho feliz com um jogo de canetinhas? É altamente viciante, tão bom que é. Mas tem o envolvimento do meu lado engajado. O meu lado mãe que boicota a propaganda infantil. Que dá uma zoada na Barbie só pra ela não virar "tudo isso" no imaginário da minha criança. Que encana com os desenhos, as histórias dos livros, que tenta com todas as forças ensinar a pequena a questionar TUDO. Esse lado, fazendo compra de materiais escolares, sofre muito.

Giz de cera com princesas esculpidas na ponta. Apontador com orelhas da Minnie. Sem falar a organização das prateleiras - "estojos para menina", "estojos para menino". E eu nunca soube que homens e mulheres tinham uma ergonomia tão diversa que até bolsinha com ziper precisa de ser pensada exclusivamente pra cada sexo! Tá tudo tão errado, que eu comecei a achar que devia ter ido fazer essas compras sozinha.

Mas não devia. Teria perdido a oportunidade de ver a Ana Clara me mostrar coisas sem pedir, de vez em quando pedir e devolver no lugar diante do meu não, e dizer coisas como "você não vai comprar estojo, né? O meu estojo eu gosto muito!" - Time da Casa, um; Consumismo, ZERO.

Quando mostrei os cadernos, fiz o meu melhor pra driblar o sexismo inerente. Mostrei os dois únicos de estampa neutra. E mostrei todos os outros misturados. Moranguinho, Batman, Princesa, Avengers, Frozen, Carros. Ela escolheu um - Frozen, mas o caderno é VERDE! Viva... - e fomos andando. O dos Minions foi o escolhido do ano passado, e tanto no ano passado como ontem estava na pilha dos "cadernos de menino". Perguntei a ela:

- E o dos Minions? Por que não ele?

- Porque eu já tive um dos Minions. Esse ano eu quero um diferente.

Respirei aliviada. Ela não disse "porque é de menino". Ela não disse!

São tantos questionamentos que me perpassam. O sexismo, o consumismo. A aceitação. Tenho lápis de cor meus que dariam bem pra ela aproveitar, mas será que ela será julgada se aparecer com uma caixa velhinha no lugar de um jogo novinho de 24 cores? Mas ceder a essa pressão é fazer de mim uma mãe vendida? E o consumismo e tudo que eu penso dele? Não devia comprar coisas de personagem, sou contra isso. Mas não tem nada que não seja de personagem, meu Deus!

Aos poucos vou percebendo que, por mais que eu tente educar Ana e Lucas para que eles ajudem nessa transformação de mundo, pra que eles arregacem as mangas e me ajudem a fazer desse um lugar melhor, muito melhor... O lugar é este mesmo, por enquanto. Resta fornecer a eles as ferramentas para subverter. Para transformar.

Na fila do caixa, ela me fez um pedido:

- Sabe, você manda fazer uns adesivos? Das Winx. Vou colar em tudo!


Não deixam de ser personagens, mas: isso mesmo, Ana Clara! Não aceite o que o mundo te dá e só. Queira mais. Peça adesivos e cole. Encontre a sua maneira de ser você, mesmo quando tentam não te dar espaço.

Eu achei que não levar as crianças me faria economizar no processo de compra da lista de materiais.
Mas levá-las me fez sair no lucro.


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O controle

Tenho problemas com controle.

Quero gerenciar tudo, controlar tudo. Cada aspecto, macro e micro, da minha simples vida.

Ontem, pela primeira vez, Clara foi ao cinema sem a mãe ou sem o pai. Foi com os amigos, a minha querida amiga que é mãe dos amigos - a quem eu confiei uma das minhas preciosidades sabendo que ela cuidaria como se fosse sua própria. Fiz aquelas recomendações de mãe. Ela chegou com sorriso no rosto, feliz da vida.

Deitada ao lado dela, na cama, observei. Como ela está grande. Como ela está se virando bem nas mais diversas situações. Como temos pouco tempo juntas e isso me machuca. Ao mesmo tempo, como é bom e maravilhoso estar ao lado dos meus filhos, qualquer tempo que seja, para fazer o que houver. E como tudo isso é incontrolável. O tempo... Acho que é isso que eu quero controlar, nunca vou conseguir: o tempo. Porque ele corre através dos meus dedos e eu não consigo pausar, eu não consigo simplesmente parar tudo e dizer, "vamos viver aqui, um minuto, depois cuidamos da janta e da roupa...".

Mas viver é isso mesmo, oras. É viver, sem parar, sem pausas para brincar, brincando no meio da janta e da roupa, tentando encontrar caminhos, alternativas, desbravando.

- Você sentiu minha falta, hoje? - perguntei.

- Muita!...

- Eu também senti a sua. Muita.

- Então vou te dar o carinho maior do mundo.

É só um abraço apertado, mas ela está certa. É o carinho maior do meu mundo... Este e os abracinhos do neném. Me lembram de como eu sou pequena, como eles estão grandes, como não controlo nada de nada... e como dá pra ser bem feliz, assim.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Gratidão

- Mamãe, a gente pode escrever outra carta para o Papai Noel, amanhã?

- Por que, Ana?

- Pra agradecer meu presente. Porque eu adorei!


Quase um mês depois, ela percebeu que faltou o "obrigada". Lindeza.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Dúvidas e Indagações

- Mamãe? Por que o olho chama "olho"?

- Nossa, filha...

- Por que, mamãe? Eu queria que o "olho" chamasse "linda". Por que o moço que resolveu escolheu "olho"?

- Nossa, Clara, a mamãe... A mamãe não...

- Não sabe?

- Não sei, filha. Honestamente.

- Ah, imaginei. Que pena.


Eu poderia começar a falar sobre o complexo processo de formação de um idioma. Mas só essa curiosidade dela me alimentou a alma até não sobrar mais espaço pra nada - e eu só sorri.


quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Dois

Abrem meu armário e tiram os sapatos de lá. Os dois. Calçam - o menor TENTA calçar, na verdade - e saem pela casa com os sapatos. Se deu certo, nos pés. Se não deu certo, na mão. Fechados num abraço. Na cabeça. Eles põem meus sapatos em qualquer lugar.

Olham um pro outro com a cara mais faceira desse universo. Quem recebeu a primeira olhadela sai correndo, se sabendo presa. O dono do primeiro olhar atrás.
- Gente, para de correr, olha a quina! Olha parede! Lucas, cuidado, a curva tá muito fechada! Clara, desce do sofá, seu irmão está no maior fogo... ai, Jesus!

Eu desfazendo a mala pra refazer.
- Por que você tá tirando?
- Acho que peguei muita coisa. Vou dar um jeito. Você viu aquele shortinho verde?
- Tá com o Lucas.
- Lucas!
Tentando por o short na boneca da Ana. A Ana aproveita, já pega uma outra roupa pra por na cabeça da boneca. E ficam os dois no chão, brincando. Eu vou dando falta das roupas aos poucos, e resgatando do chão pra dentro da mala. Quando peguei o shortinho da boneca, ralharam os dois, indignados.

- O que cê tá comendo?
- Uva.
- Hum.. eu quero uva.
Mal entrego um bago e já estende a mão de novo.
- Mas já?
- Dei pro Lucas.
E ficam assim, os dois, na barra da minha saia, comendo a (minha) uva. Deixa, depois compro mais. Melhor coisa ver os dois comendo felizes e se deliciando com uma coisa tão à toa e saudável.

E quando eu pergunto:
- Clara! Cadê vocês?
- No meu quarto! - ou no quarto do Lucas, ou no quarto da Mamãe, ou na sala, ou aqui fora, tanto faz a resposta.
- Fazendo o quê?
- A gente tá fazendo BAGUNÇA!



Eu faço uma prece em silêncio. Peço pro anjinho da guarda de cada um redobrar a atenção (e ó que eles bem fazem hora-extra, graças a Deus). E agradeço. Como agradeço por estes presentes na minha vida. Minhas riquezas. Mesmo que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, sem amor eu nada seria...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Sobre seguir

Post desabafo da Ana-eu. Não espere gracinhas das crianças - em breve retomaremos nossa programação normal.


Ano novo. Gosto de ano novo, sou uma pessoa de ciclos. Gosto dessas viradas. De recomeços e novas chances, de arquivar memórias boas e aprender com as não tão boas. Sou assim bem simplista. Sei que hoje é o mesmo que semana passada, que a rigor nada mudou - mas eu ganhei a oportunidade de me enxergar diferente, simplesmente porque troquei de agenda e calendário. E vamos nós.

E me enxergando, vi coisas que eu há tempos evitava ver. Mas é preciso.

Quando eu era pequena, eu queria fazer parte. É meio genérico e quase ridículo, mas acho que era isso que eu queria. Como filha única, com dois primos mais velhos - ou seja, eu era a caçula bobinha..rs... (e acho que sempre serei, aliás), sem amigos, sem brincar com as crianças na rua, eu me sentia muito só. Tinha companhias esporádicas, mais frequente a companhia dos meus primos, e lá no fundo a vontade de fazer parte.

Via meus colegas passando a tarde no shopping, fazendo noite do pijama, aniversário na piscina na casa de fulana. Comigo era mais ou menos assim: se eu chamava e oferecia alguma coisa de bom (piscina, por exemplo), até apareciam umas duas ou três meninas. Se alguém chamava, às vezes de verdade e às vezes por educação, minha mãe não deixava. E fui crescendo. Mas esse sentimento... O sentimento do pária me acompanhou muito tempo. Hoje eu acho até bonito ser esquisita, mas nem sempre foi assim. E a esse sentimento de solidão associei uma dor na boca do estômago que parece até fome, me sobe um engasgo até a garganta, e o coração acelera um cadinho: a minha condição fisiológica de estar triste.

A vida me trouxe muitas coisas. Crescer, para mim, foi muito bom. Não sabia ser criança e não aprendi muito bem. Mas crescendo, achei que alma e corpo se ajustaram no mesmo número. Chegaram amigos. Comecei a fazer parte. Descobri que ok ser eu - era só eu que tinha, mesmo, pra ser -, e que a felicidade é diferente dos comerciais e das histórias que eu leio. A minha felicidade é uma história inédita, que eu tenho que escrever antes de ler, e com muito mais complexidade do que se poderia supor. E tudo bem.

Mas às vezes, no meio das coisas todas, alguma chave muda. Em algum momento, você vê que, não sabe muito bem porque, as pessoas não te veem mais como costumavam te ver, nem você a elas, nem você a você mesmo, e é tudo parte desta história. Não é nada de propósito, premeditado... são as construções dessa teia. Acontece. E mesmo seu melhor não é o suficiente. E você percebe que ninguém está aceitando o seu melhor - o seu melhor é pouco, mas olha, era o prato do dia. Como ser eu é só ser eu, mesmo a gente sempre tentando melhor, no final só nós somos sempre iguais a nós próprios - e, muito ou pouco, somos nossa própria companhia. Mas, enfim, alguma coisa muda. Permanentemente. E é preciso seguir.

Só que, sabe, dói um pouquinho. Porque, no processo, você se vê distante de gente que importou muito - ou ainda importa, mas vamos manter o passado para nos convencer de que tudo bem. Você se vê sendo menos para quem é/foi muito pra você.

Quando percebi, já estava com dor de estômago. Ou será que é fome? Veio um negócio até a gargante e eu pensei...meu coração está batendo tão depressa. Que seja, mas me recuso a ficar triste. Porque tenho muitos mais motivos para a felicidade do que para a tristeza, não vou me esquecer. E Pessoa me ensinou, para nunca abandonar o ensinamento... "Somos quem somos. E quem fomos foi coisa vista por dentro".