quinta-feira, 28 de maio de 2015

E agora?


- Mamãe, você bocejou e não colocou a mão na boca!

- Verdade.

- Tem que colocar a mão na boca.

- Mas eu estou dirigindo, quando a gente está dirigindo, não pode tirar a mão do volante.

- Ah.

Passei a marcha.

- Mamãe, mas você tirou a mão do volante!



Quando tem concurso pra "agente fiscalizador"? Vou inscrever Ana Clara.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Os prazeres e os dias

Quando Clara me disse que queria fazer ballet, minha primeira reação foi entrar em pânico.

Tinha prometido pra mim mesma que não seria essa mãe. A mãe que empurra para trocentas atividades, sobrecarregando a criança. A mãe que cria expectativas e vai empurrando - vai ser bailarina! vai ser nadadora! vai ser gênio! Eu tinha feito a promessa para mim, e acho que é a promessa mais difícil que uma mãe possa fazer, modéstia à parte, de que Clara seria Clara, e que eu estaria sempre aberta para descobrir quem ela é.

E aí, nesse meio, no meio de ser quem a Clara é, no meio de respeitar a promessa que eu fiz e renovo a cada dia, veio o pedido - eu quero fazer ballet! E não é que ela quer, mesmo?

Eu achava que agora, em maio, Ana Clara já teria visto enferrujar a mágica do ballet. Como todas as coisas, por mais que eu tenha pesquisado e encontrado quase que instintivamente um lugar que interpreta isso, para essa idade, como um processo lúdico e não como um molde engessante e limitante para profissionais do futuro, achava que depois de quatro meses de ballet a repetição constante, as horas empregadas, o trabalho de colocar e tirar a roupa já teriam descolorido o sonho de "ser bailarina" e ela iria preferir ficar em casa com as bonecas.

Ledo engano. Tanto quanto o foi com a escola. "Ah, deixa ela ir, quando ela pedir pra ficar em casa, eu tiro. Ano que vem ela volta". Clara não vai pedir pra ficar em casa. Eu sei que não. Eu acho que já sabia quando ela pediu pra ir, mas foi difícil lidar com a descida da torre, com o fato de não poder cercá-la mais na nossa bolha de afeto.

E a cada dia eu me surpreendo mais.
A cada dia Ana Clara me convida a conhecê-la, e como é inesgotavelmente enriquecedor nunca negar esse convite.
Descobri-la disposta e engajada, autoritária e amorosa. Sabê-la amante das pessoas muito mais que das bonecas ou dos brinquedos, da TV ou do sossego.
Como foi iluminado o dia em que eu me senti pronta para este novo ser. E como são iluminados todos os dias com ela e com o Lucas. E como será incrível descobrir também a ele, meu galeguinho boa praça, risonho e ao mesmo tempo exigente. Como Lucas e Clara se parecem nesse aspecto: agridoces. Dispostos sempre a um carinho, daqui um minuto chorando sentidos porque não conseguem montar o brinquedo...rs...

Vê-los crescer é a parte mais desafiante da minha vida.
Porque me lembrou das certezas que eu não tenho e continuo não querendo.
Porque me fez assumir o meu lado mais aberto, mais libertário e mais afável.
Porque me faz sentir que o que há é amor, amor e só. E para além disso são nossos dias, costurados como a mortalha adiada de Ulisses: coser e descoser, para nunca estar pronto. Que nunca estejamos prontos...

sábado, 16 de maio de 2015

Voltando

Esta semana volto ao trabalho.

Estou ansiosa e em pânico, como todas as mães que voltam ao trabalho. Isso justifica em parte porque algumas nunca voltam. Porque algumas voltam e desistem. Vamos ver como continuo a escrever a minha história...

Essa noite o Lucas abriu os olhinhos. Se viu no meio meu e da Cacá, na nossa cama compartilhada. Esticou uma mãozinha e segurou a mão dela. Depois esticou a outra mãozinha e segurou a minha. Sorriu, seguro, fechou os olhos e dormiu. E eu me senti imensamente preenchida naquele sorriso, no sono tranquilo dos meus pequeninos. Completa com a família que eu formei, que Deus me permitiu formar, com os filhos que me confiou, com o companheiro que colocou no meu caminho.

E daí me ocorreu... Que eu precisava mudar o título do blog. O blog que foi feito para contar as peripécias da uma Ana da minha vida, que me fez para sempre outra. Agora as peripécias são também do Lucas. E pensando na outra que eles me tornaram, mudei o nome sem mudar. Uma Ana e Outra, Uma Ana é Outra. Uma das Ana's desta equação mudou para sempre num pequeno espaço de tempo.

Mudou para pior, nos níveis de ansiedade, stress e preocupação...rs.

Mudou para melhor em todos os outros níveis. Não que eu me ache grande coisa. Pelo contrário, estou permanentemente ciente da minha pequenez e insignificância. Isso simplesmente não me atormenta mais do mesmo tanto. Me sinto pequena, insignificante, e imensamente feliz com as minhas três enormes riquezas...o Rafa, a Aninha, o Lucas.


quarta-feira, 13 de maio de 2015

Sexismo pra quê e outras histórias

No banheiro do consultório:
- Mãe, este é de menina?
- É.
- Mas o de menino, o que tem de diferente?
- Às vezes tem mictório...
- Mas era igual o nosso.

Passamos na porta, estava aberta, era mesmo.

- Este é.
- Então por que menina só pode usar este?
- Eu...
- Porque é igual! Eu vi! E se tiver outra menina lá fora ela tá esperando, mas não podia (nota do autor: acho que o verbo desejado aqui era "precisava"), podia usar o de menino, que é igual e também faz xixi.
- Bom, acho que sim.
- Todas essas coisas, eu não entendo porque!

Abriu os braços, indignada.
E pra finalizar com chave de ouro:

- Mamãe, isso aí do lado é pra trocar bebê.
- Isso mesmo, filha!
Já ia emendar um "igual ao que a mamãe tem em casa pra trocar o Lucas!" quando veio a pérola:
- Não é de por a sua bolsa!

Fazer o quê. Quando ela tem razão, ela tem razão.

sábado, 9 de maio de 2015

Quando o amor impera

O cravo BRINCOU com a Rosa. E não tem nada de ferimento, despedaçamento, desmaiamento - o cravo fica doente e a rosa chora. Pronto.

Atirei o pau no gato, nada, a música é um mistério e depois "não devemos maltratar os animais: MIAU!".

E quando me abraça, achando que já é amanhã: "te amo, mamãe. Feliz dia do amor!".

Feliz dia do amor, que seria das mães, mas é que mãe é amor puro, mesmo.

E nas palavras da Clara o amor sobra, pois nela reina, soberano.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Se liga, mãe!

Lendo a história pra dormir. Ela agitada, num vira e desvira frenético.

- Clara, meu amor...sossega. Fecha o olhinho, para de mexer, pra dormir!...
- Mas mamãe, não vou dormir... Você nem me deu o remédio. Você esqueceu meu remédio, mamãe.

Eu tinha esquecido.
Dei o remédio.
Acho lindo que ela lembre, sabe. Mas...onde é que já se viu, isso?!


segunda-feira, 4 de maio de 2015

O que você vai ser quando crescer?

Trocando o curativo do pé.

- Mamãe, você é médica?
- Médica? Não, filha... Não sou.
- Ah, queria que você fosse médica.

Considerando-se os dias que passaram, de gripinhas, alergias, coisinhas... pensei um instante:

- Sabe, às vezes eu também queria ser médica.
- O pai de Fulano é médico.
- É mesmo?
- É. Fulano falou.
- Legal, né?
- É. Mas o que você faz, então?
- Eu sou arquiteta.
- Asteca?
- Não, ar-qui-te-ta.
- Ah... O que isso faz?
- Faz casa.
- Casa?

Peguei o brilho no olhar dela. Não deixei ele sumir.

- Faz casa. E prédio.
- Prédio? Que nem o da Tia Talita? Da Malu e do João?
- É. Como os prédios deles. E de outros tipos, também. Escola, hospital...
- E o que mais?
- Mamãe queria muito fazer praça, parque...
- Parque?!
- É. Quem sabe um dia eu consigo fazer um.
- Minha mãe faz parque!

E saiu repetindo, correndo pela casa, empolgadona.
E eu nunca fiz um parque sair do papel.
Talvez eu nunca faça.


Mas sabe, eu acho legal ser arquiteta. Hoje foi muuuuito legal.