quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Quando você faz algo de errado

Às vezes a gente esquece, porque essa vida é muito louca. Mas não tem nada, nada, nada no mundo, que doa mais do que ver o seu filho mal.

Mal tem muitos sentidos. Mal pode ser depois de comer um pedaço de bolo a mais, ou pode ser triste. Ou pode ser com medo. Ou frustrado, assustado. Ou se sentindo só. Desamparado. E pode ter sido você que fez isso.

Nos dias ruins, de muita pressão, stress e problemas, você pode se exaltar. Você pode gritar. Mas adivinhe, talvez não tenha sido só o seu dia que foi ruim. Talvez o dia do seu filho também tenha sido ruim - ou até pior. Talvez ele tenha passado o dia triste ou assustado, ou desamparado, ou sentindo a falta de você e do seu acalento. E você grita. Ou nem grita, mas fica muito, muito brava. E é a gota d'água.

Eu olhei pra Clara e vi que ela estava mal. Ela estava triste, assustada, desamparada ou com medo, ela estava tudo isso, ou apenas se sentindo só. Vi as mãozinhas dela cobrindo os olhos, simplesmente para não encarar o meu olhar avassalador de "você está fazendo algo de errado!". E na impossibilidade de ver seus olhos, aqueles dedinhos apertados sobre eles me serviram como um espelho. E a voz de dentro do meu olhar ecoou de volta, também - VOCÊ está fazendo algo de errado. VOCÊ. Você, era eu. Eu estava fazendo algo de muito errado. Eu estava achando que educá-la era mais importante do que fazê-la sentir amada, ou protegida, ou segura, ou seja lá o que tenha sido que ela não estava se sentindo, no instante do meu olhar feroz, e a fez ficar mal.

Estaquei. Ela sussurrou "eu quero o meu pai".

Segurei ela forte. Quando ela afrouxou a guarda, a puxei para dentro do meu abraço. Nós duas suspiramos. Ela estava chorando, e eu por dentro estava em frangalhos, odiando ser adulta e não poder chorar também. Disse a ela tudo que eu queria dizer, inclusive a coisa mais honesta - "me desculpe". Disse o que ela tinha feito de errado, disse porque eu tinha ficado tão brava, disse que eu também estava brava com outros problemas que não eram dela e que isso não era justo, disse que ela não poderia me desrespeitar, mas que eu nunca gostaria que ela se esquecesse que eu a amo, só quero seu bem, e que nós somos um time, estamos do mesmo lado. E, por tudo isso, me desculpe.

- Eu te amo, mamãe. Desculpa.

Às vezes sinto que estou tão obcecada em fazer a coisa certa, que passo por cima da coisa mais certa de todas - fazer Clara se sentir bem. Você pode pensar que o importante é ensinar a criança a comer nas horas certas ou as coisas certas, ou a se deitar quando você pede e a guardar seus brinquedos. Mas nada disso criará o cidadão digno que o amor criará - eu acredito nisso. Essas coisas todas, as outras, fazem parte, mas não podem ser maiores que essa outra. E não tem a ver com mimar ou dar tudo ou aceitar tudo - na verdade, não poderia estar mais distante disso. É conseguir não fazer essas três coisas, criando um cidadão seguro e confiante.

Ela dormiu nos meus braços, tranquila. Confiando. Como um filho pequeno confia em seus pais, ninguém confiará em outro alguém. Chega a dar um nó na garganta.

No dia seguinte a esse relato, cheguei em casa do trabalho e ela veio me encontrar na garagem - sorrindo, feliz com a minha presença, esticando os bracinhos, reclamando saudades e perguntando de surpresas. E nós escrevemos uma história diferente da véspera, mais doce, mais serena, e mais cheia de amor. Reescrever, é preciso.

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