segunda-feira, 31 de março de 2014

Nemão

- Mamãe. Ô, mamãe. Vamos ver o Nemão?
- Nemão, Ana Clara?
- É, mamãe. Por favor. Quero ver o Nemo.

Nemo, Neminho, Nemão. Derivações pixarianas.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Pega de surpresa

Aí você chega em casa preparada pra batalha, no seu melhor estilo "bring it on, baby!", só faltando calçar as luvas. E a criança está assim:

- Por favor, mamãe. Licença. Obrigada. Está bom. Tudo bem. Te amo.

De volta ao reino onde "não" é "não", "depois" é "depois", e o som da casa é uma vozinha alegre e não um choro estridente.

Não posso me queixar.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Sexta-Feira 13

Às vezes não é sexta-feira. Não é nem 13. Mas a bruxa está à solta.


O lado bom de ter uma criança que se porta como um adulto:
- Ela é bem resolvida e independente.
- Ela argumenta e conversa.
- Na maioria das vezes, você não se vê as voltas com o poder destruidor inerente à crianças desta idade.

O lado não tão bom de ter uma criança que se porta como um adulto, quando ela está sendo criança e te deixando louca:
- Não adianta dizer coisas como "você vai ficar sentada aí até pensar bem no que está fazendo", porque ela vai ficar sentada lá. Horas, se for preciso. Não tem nenhum efeito.
- Não adianta dizer "você vai ficar sem sobremesa", "você não vai comigo na casa da sua tia" ou "então nós não vamos mais ao shopping". Ela não dará o braço a torcer, no melhor estilo "não vamos? Ok, vou aproveitar pra colocar aquela leitura em dia" ou "quem te disse que eu queria comer sobremesa?".
- Você se vê tentando subverter o jogo, agindo como a criança, simplesmente para explicitar a mensagem de que está descontente.

Foi por este último motivo que eu, ontem, me tranquei no meu próprio quarto - a criança pra fora dele. Se eu ficasse mais um segundo, um segundinho, sob a força do terror psicológico da Ana Clara, a coisa ia ficar física. Antes disso, respirei fundo, e me fechei no meu quarto. Ela não liga de ficar fechada no quarto dela? Pois quem sabe liga se eu ficar fechada no meu.

Cinco minutos depois, ela bateu à porta. Me pediu desculpas. Pediu para abrir. Quando abri, ela tinha colocado o chinelo (um dos milhares de motivos de briga da noite de ontem).

- Mamãe, ó!

Como se dissesse, "veja, que curioso, meus chinelos estão calçados!".

Achei que a briga estivesse encerrada, mas recomeçou por outro motivo menos de 5 minutos depois.

O problema é que Ana não se vê como criança, e está na etapa de testar todo mundo. Some as duas coisas e você tem munição para enlouquecer até o final das olimpíadas do Rio de Janeiro. Some o dia que eu tive ontem e você se vê capaz de entrar no chuveiro sem tirar as roupas.

E é ardilosa.

- Você está triste, mamãe? Ah, pena. Desculpe, mamãe. Eu parei de chorar. Eu te amo. Vou te fazer um carinho.

Quem não conhece que te compre, já diria minha sábia mãe.

E dá-lhe gastar o dia exercitando a criatividade para consertar a estratégia de lidar com a famigerada bateria de testes que me espera quando chegar em casa...

terça-feira, 25 de março de 2014

Festas de Aniversário

Em tempos de pensar no que será o aniversário do pai, que faz 30 este ano, calhei de perguntar:

- E a sua festa, boneca? Este ano, do que será?
- Hmmm... do Gru! E da Dora. E do Babar.

Salta um tema Meu Malvado Favorito + Dora + Babar, por gentileza!

sexta-feira, 21 de março de 2014

Quando não há paciência

É uma bosta. Não ter paciência, é uma bosta. E nem é coisa de que eu precisasse de paciência, nada disso. Ela estava tranquila, estava educada. Não teve birra, não teve manha, não teve quereres. Ela só queria brincar - e eu estava um caco.

Desde o momento em que você pega o exame de gravidez, a culpa dobra. Para duas pessoas, culpa em dobro. Mas a criança sai da barriga e a culpa continua lá, fica grande para um só...

Tudo dá culpa. Quando você está grávida, dá culpa aquele copo de coca-cola. Aquele chocolate. Aquela caminhada mais pesada, que deixou uma dorzinha no pé da barriga. E depois, dá culpa tudo que você come, se o bebê tem cólicas. Dá culpa fazer pé firme para educar. Dá culpa quando você perde as estribeiras e grita. Dá culpa quando você não quer brincar.

E a culpa que mais me dói, é a culpa de não dar atenção a ela.

Não que as outras coisas não deixem culpa...rs.

Mas atenção...é primordial. Que importa a Ana Clara que eu trabalhei o dia inteiro? Que significa para ela uma dúzia de engenheiros mal educados ou mal humorados e uma outra dúzia de obras problemáticas (porque quem já viu obra que não seja problemática, eu não conheço)? E eu estou cansada. E eu só quero dormir. E ela quer que eu seja o monstro, ela quer o livro, ela quer carinho. Ela quer que eu faça as unhas dela. E eu quero ficar com ela. Brincar com ela. Quero acarinhar e beijar e brincar, mas tudo me cutuca, tudo me incomoda, e eu estou uma companhia insuportável. Mas queria ser a companhia dela...

Não se pode querer ser super, vejo as revistas na banca que dizem que eu não tenho que ser uma "supermãe", exigir demais de mim mesma. Mas oras, desde quando isso é ser super? Desde quando é exigir demais? Estar com ela, é o mínimo. Não é nada demais. Não é que eu aprendi a nadar com golfinhos para entretê-la, é só sentar no chão e desenhar a Dora - e vocês tem que ver como ela é generosa com as nossas Doras de palito, "a Dora, mamãe, ficou linda!".

Hoje é outro dia. Hoje é um dia melhor. E eu vou driblar os engenheiros, as obras, o saco cheio, o cansaço e até a preguiça. E chegar até ela. Meu porto seguro, meu motivo.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Da arte de se jogar no chão e outras histórias

Porque eu dou valor às coisas boas, não significa que a vida seja só feita de coisas boas. Clara já fez birra, já me fez passar vergonha no shopping e em aniversário, já foi criança em toda sua glória - mas como não é coisa que ela faça muito ou sempre, eu nem sei direito como lidar com isso. A gente vai aprendendo (ou não, como diria Caetano).

Está numa fase de testes. "Vai você", "pega você", "não!". Tudo bem que ela usa por favor, mas não a faz menos mandona. Há que se ter jogo de cintura.

Aí cheguei em casa, ontem. Foi feriado em São José, eu não trabalho em São José, pior pra mim - melhor pra babá - salve a tia-avó que acolheu e cuidou.

- E aí, como foi o dia?
- O dia foi ótimo. Ela comeu bem, se comportou bem... - e num fio de voz, que se a criança escutar, estraga - não fez nenhuma birra...
- Oi, filha!
- Oi, mamãe! A mamãe chegou! A minha mamãe chegou!
- Como foi seu dia?
- Bom, obrigada.

Fomos pra cozinha, conversando, minha tia arrumando janta. Cacá ficou na sala, brincando, dançando, bagunçando tudo pelo chão (haja chão pra espalhar coisa. Tem mais coisa que chão?).
Volto, dou uma olhada nela. Tudo ok.
Volto de novo, depois de um tempo. Tudo ok, ainda.
Mais uma espiadela, só de leve. Continua tudo 100%.

- Ô, mamãe!
- Oi, boneca.
- Você vem ficá aqui, migo? Por favor?
- Já venho, filha. Estou ajudando a Dedé...
- Ah, pena... Eu vou.

E ela vem pra cozinha, carregada dos livrinhos.

- Leva os livros pra sala, filha, que aqui não é lugar.

E ela leva.

Cadê o neném? Oras, mas se já faz tempo que eu sei que não tem neném, mais, tem menininha, só, por que estou surpresa?
Mas cadê o neném? Fica sozinha. Se vira. Argumenta. "Só um pouquinho, só um pouquinho...". Entende. E daí que tem birra, de vez em quando? Ontem eu fiquei esperando a birra aparecer, só pra ela me lembrar que a Cacá ainda é pequenininha, como ela mesma diz, mas a birra não veio. Danada.

Na ausência da birra, Cacá ficou maior. E independente. Resolvida. Eu pergunto se quer que eu dê, se quer que eu abra - "não, obrigada". Sei que hoje é outro dia, ninguém garante que hoje no chão não esteja a própria Clara - porque eu mandei guardar os livrinhos, porque eu não sentei ao seu lado -, mas é um prenúncio certo, nem prenúncio é, é anúncio, ela está crescendo. A olhos vistos. A ouvidos. A braços que carregam os muitos quilos. Ela está se desenvolvendo, que é bem mais legal que crescer.

É engraçado, isso. A criança nasce precisando da gente pra tudo. Depois começa "vou fazer o mamá sozinha", "eu pego a água!", "mamãe, eu vou lavar a minha mão, tá bom?". A gente vai percebendo que precisar, mesmo, eles não precisam da gente pra praticamente nada. Quando foi que aconteceu o inverso da equação, e eu passei a precisar dela para precisamente tudo?

terça-feira, 18 de março de 2014

A Figura

Eu imaginava e tal, todo mundo sabe que quando chega essa fase de falar de tudo, fazer quase de tudo, a criança fica uma figurinha. Mas quando acontece, mesmo, é impossível que você não se surpreenda pelo menos um pouquinho.

São ótimos exemplos:

* Eu chego em casa, ela vem correndo, me abraça, me beija. Às vezes, sem nenhum motivo especial, ela me pergunta "mamãe, o que você trouxe? Você trouxe pra mim, o quê?". Se eu não trouxe nada, eu digo que não trouxe nada, e ela faz um biquinho. Se eu trouxe, mesmo, dou o agrado. Ou então acontece como ontem.
- Mamãe, o que você trouxe? Você trouxe um pirulito pra mim?
- Ah, filha...! Não trouxe pirulito. Mas eu tenho uma bala. Você quer uma bala?
- Quero!
E eu, como sei que Clara quase não come doces, fiquei com um pouquinho de dó. Poxa vida, quem nunca foi criança e quis um pirulito?
- Olha, hoje a mamãe tem a bala... Mas amanhã eu trago um pirulito, tá bom? Hoje não tem pirulito.
- Ah... Pena!
E depois de um suspiro:
- Bala tá bom. Obrigada.

* Perguntamos se ela quer sobremesa. Com a mão na barriga, ela responde:
- Não, obrigada. Comi taaaaaaantooo.

* Quando estamos tentando fazer alguma coisa importante, pedimos licença. Deve ter sido isso que ela tinha em mente quando o pai estava falando e falando, e ela estava sentada no sofá:
- Papai, dá licença. Estou assistindo a Dora.

* Eu entrei no quarto dela, logo saí. Então ela entrou, ficou parada na porta, e me disse, mostrando com as mãos:
- Mamãe. Este é o meu quarto. Não entre no meu quarto, por favor. Este é o seu quarto. Entre aqui.

* Quando o pai está indo para o MBA:
- Mamãe, papai foi estudar? Ele tá estudando? Eu também vou estudar.
Junta as coisas e vai andando pra porta.

* Quando eu chego do trabalho:
- Tchau, mamãe. Tchau. Preciso ir trabalhar!
De bolsa à tira-colo.

E não acaba. E eu quero lembrar de tudo. Cápsulas de delírio no meu dia.

terça-feira, 11 de março de 2014

Surpresas Linguísticas

Liguei pra casa. A babá atendeu, nos falamos. "A Clarinha está aqui, quer falar com você". "Oi, filha!". "Oi". Falou mais distante, contando para a babá: "É a minha mamãe!".

A "minha mamãe". Também sou "mamãe Ana". Consciente de que todo mundo no mundo tem mãe ou já teve um dia, mas essa é a mamãe dela, e especificamente a mamãe Ana.

É incrível quando seu filho, formerly known as "o feijão", começa a falar. Qualquer coisa já é o máximo. Qualquer coisa que ele nem sabe o que é já é o máximo. Aos dois meses Clara vocalizou "mamã". Eu sei que ela não estava dizendo nada, mas foi logo depois do pai pedir, aos choramingos, "fala papai, fala? Fala papai". A resposta, demonstração das ironias dessa vida, virou episódio muito repetido. Se eu achei o máximo uma vocalização, imagine essa coisa cognitiva, cheia de sentido e intenção, "a minha mamãe". A mãe derrete.

As surpresas vão se esticando. Um dia você percebe que o "mamã" não é mais acidente, é pra você - com todo o jeito de "vem aqui, carambola, que eu estou com pressa!". Vai se desdobrando. Mamãe. Papai. Cacá. "E quem é Cacá?", leva o dedo ao próprio peito e dá um sorriso. E eu que achei que ela nunca teria um apelido, como eu nunca tive, e cheguei a ficar até um pouquinho tristinha por causa disso - todo mundo que é querido e popular tem apelido. Não ter apelido já é o primeiro sinal de que a popularidade está longe. Não ligo para Clara ser popular, mas gostaria que ela fosse querida, como de fato é. E olha como o destino é cheio de peças, não só ela tem um apelido, como foi ela mesma quem escolheu - e pegou. A nossa Cacá.

O cachorro, o outro cachorro, a água. Uma novidade: "por favor". Outra novidade, "obrigada". Começou a dizer "de nada" quando trazia as coisas para alguém, mesmo se a pessoa não se importasse a agradecer - fica a dica, né? Eu trouxe, você deveria agradecer, então "de nada". Esses dias eu pedi que ela bebesse o iogurte, antes de começar a comer a banana. Deu uma bicada. "Só isso não, o iogurte todo, filha". Primeiro ela disse "ê, nóis!", depois bebeu. Impressão minha ou ela me disse "eita, nóis!"? Coisa que eu costumo dizer quando a coisa está meio difícil, meio enroscada. Acho que ela me disse "eita, nóis!".

Atender o telefone. A melhor surpresa de todas, "eu te amo". Suas adoráveis variações, "te aminho" e "te amão". Vem com abraço e beijo, como somos lambonas. Quando estamos saindo, "espera, também vou!". Quando estamos indo embora, "um beijo, papai, um beijo! Tchau, te amo". Quando repreendemos, "hum..." - com biquinho. Quando faço perguntas "ahn?" - olhos arregalados. Quanto não sabe, "não sabo". "Não consegue". "Ajuda, mamãe, ajuuuuudaaaaa!". Quando eu pergunto porque, levanta os ombrinhos ou as mãozinhas, desolada "putê, putê...".

Eu sempre gostei das palavras. De todas elas, em todos os seus contextos, ditas ou escritas ou até pensadas. E aí veio essa aranhinha. Essa aranhinha com todas as suas flexíveis patinhas, e a sua teia. Essa teia doce e gigante, que eu percebo que não vai parar de crescer e me aprisionar cada vez mais. Mas a teia é uma teia de palavras e de sentimentos, de abraços e beijos, de descoberta e de perplexidade. Ela é um pouquinho teimosa, mas nem chega a ser desobediente. Minha dona aranha continua é a tecer.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Monstros

Às vezes fico pensando que não sou uma mãe que senta e brinca todos os dias, e como eu gostaria de fazer isso. Toda a ideia de ser mãe jovem era meio isso, afinal, ter fôlego e disposição para brincar com a minha filha. Então ontem cheguei do trabalho, nós jantamos, e eu peguei a caixa de blocos para brincar com a Ana Clara. Fizemos uma casinha de bonecas.

Mas aí, lá pelas tantas, ela começou a desmontar e montar uma parte da casa, e eu na bagunça, ajudando a desconstruir. O pai, deitado no sofá depois da meia garrafa de vinho que acompanhou o bobó de camarão da quarta de cinzas, também passou a participar - e logo a nossa casinha, que tinha porta, janelas e mezzanino, virou um monte de pecinhas espalhadas pelo chão da sala.

E, de repente, sem que soubesse muito bem como aconteceu, eu e Clara estávamos de pé, e o Rafael também, já com a voz transfigurada e correndo atrás de nós pela penumbra da casa. Ele nos perseguia pelos cômodos enquanto eu e Clara tentávamos ficar em silêncio, desviar dele, dar a volta e sair correndo para outro quarto, para a cozinha, para a sala. Às vezes ele nos alcançava e nos enchia de cócegas, as duas, e então eu era "contaminada", virava o monstro, e ele saía para se esconder com a pequena e protegê-la de mim. Acho que ficamos nisso uma hora, rodando a casa, caindo no chão de tanto rir, escondendo do Monstro da Cosquinha, acendendo e apagando as luzes num festival pirotécnico. Lá pelas tantas, enquanto fugíamos do monstro pai, tentei segurar a Clara, que ia depressa demais, mas mesmo assim a cabeça dela resvalou no batente da porta. Eu me preocupei imediatamente: de que ela tivesse se machucado, que irrompesse no choro, que a nossa brincadeira acabasse em tristeza. Mas ela simplesmente se aproximou de mim e disse num sopro sussurrado, "desculpa, mamãe" - porque aquela batida nos denunciaria, o monstro seguiria o seu som. "Você está bem, filha?", eu perguntei. E ela se virou pra mim mais uma vez, o dedo nos lábios, "shiiii". Silêncio. O monstro vai te escutar.

Ontem, eu e Clara e o pai dela nos perdemos nesse universo mágico que existe colado ao nosso, em que tudo é igual e completamente diferente. A mãe é bruxa, o pai é monstro, e os beijinhos da filha são o antídoto para que eles sejam pai e mãe de novo. Nós gritamos e corremos e caímos no chão, sugados nessa mesma dimensão, dispostos a simplesmente imaginar uma aventura. Mas no final, nem sei se imaginamos - porque nos deitamos, os três exaustos, no chão do corredor, respirando sonoramente e recobrando forças. O pai levantou, depois ela, e me chamou. "Mamãe, vamos dormir?". Vamos, filha. Como você mudou minha vida. Me mudou. E, do meu lado, me deu um abraço apertado. "Você era um monstro, mas eu beijei você, e você acordou". E não é que é quase isso, mesmo?