sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A Chegada

O Lucas chegou. Estamos aí numa fase de adaptação completamente diferente do que vivemos com a Ana - porque agora a Ana está do lado demfora, porque eu e Rafael estamos mudados, porque cada bebê é um bebê, na sua essência.

A Ana oscila entre se envolver lindamente no processo e caminhar para pequenas regressões - quero que a mamãe me dê comida", "papai precisa me ajudar no banheiro", senta no carrinho de bebê e não quer sair.

Eu oscilo entre "está tudo bem, nós nascemos para fazer isso!" e "oh, céus, tô fazendo tudo errado!" - ou seja, continuo a mesma.

O Lucas, como um bebê de 3 dias de vida, mama, dorme e resmunga.

Papai segura a onda.

Tudo no lugar.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Mas já?

Todo mundo tem essa coisa de "ah, que pena que cresce". Oras. Que bom que crescem. Que bom que a gente os conhece e aprende com eles, e eles passam a nos corrigir. Sim, criancinhas são graciosas. Mas eu descobri, com muito custo, aliás, que eu gosto dos seres humanos. Na íntegra.

Indo à papelaria com Ana Clara, fiz o que tenho tentado fazer tantas vezes nessa gravidez. Conscientizá-la. Mamãe tem um barrigão, por enquanto, mas em breve teremos um bebê em casa.

- Já pensou? Logo, logo, o Lucas vai sair da barriga da mamãe e a gente vai ter um neném na nossa casa...

- Um bebê!

- É, um bebê.

- Mas mamãe... eu não quero ele grande. Quero ele pequenininho.

- Ana, ele vai crescer. Como você.

- Mas, mãe... eu quero dar mamá... e trocar fralda! Fazer dormir...

- Nós vamos fazer isso, filha, bastante tempo. E ele vai crescendo, pra brincar com você...

Fez um biquinho.

- Mas, olha... Não importa o quanto vocês dois cresçam, você sempre será a irmã mais velha. Ele sempre será seu irmãozinho mais novo.

O olhinho brilhou:

- Eu? Irmã mais velha?

- Você, Ana. Minha primogênita. E o Lucas meu caçula.

E com o sorriso do olhar dela, nós três fomos andando, no sol de Outubro, curtindo a nossa manhã de primavera. Eu, a primogênita e o caçula.

domingo, 12 de outubro de 2014

Só começando

Ela virou na cama, eu aproveitei e dei um beijo:

- Bom dia, princesa! Feliz Dia das Crianças!

E ela, sorrindo largo:

- Bom dia, mamãe... Pra você também!


Ganhei feliz dia das crianças, hoje. ;)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Zelo

No vigésimo mês de gravidez - não, não me enganei. Vocês do lado de fora contam nove, mas toda mulher grávida sabe que são uns 24 meses, inquestionavelmente. Continuando, no vigésimo mês de gravidez, da segunda gravidez, a gente às vezes esquece o quanto é importante o carinho. O mimo. Nessa onda de supermulheres, na minha onda de "eu vou dar conta de tudo, sim, senhores!", esqueço o quanto eu queria um colo, um afago, um dengo.

Até o Rafael chegar em casa com flores e eu sentir os olhos marejarem.

Até a Clara esticar a mão para segurar a minha, durante o ultrassom, e perguntar na perspicácia que só os mais inocentes tem - "tá tudo bem, mamãe?". Na minha ignorância, penso que ela percebeu o quanto eu me sinto aflita nesses exames, o tamanho da minha expectativa, a ansiedade para ouvir do atendente "está tudo ótimo com vocês dois, fique tranquila".

Até que a Mah venha fazer pilates e me pergunte "o que você precisa, uma massagem?". Eu não sabia, mas precisa de uma massagem. E cortar as unhas dos pés, porque o corpo não dobra mais daquele jeito. E falar bobagens e coisas certas, e deixar o tempo passar sem pressa.

Eu precisava de carinho e nem sabia. É carinho também, mas acho mais que é zelo. É ver que os outros estão me olhando e realmente me vendo. E como a gravidez deixa a gente carente nesse sentido...

E no meio de todas as sombras e incertezas e medos que eu tenho... Clara levanta de noite e vem se aconchegar do meu lado. "Sabe, mãe, eu precisava do Zé...". Zé, o meu travesseiro de estimação. O meu travesseiro de estimação que Ana Clara quer que seja dela, e me dá uns arrepios de pensar que talvez o Lucas também queira - e é muita gente na ambição de ter um travesseiro só. Estiquei pra ela o travesseiro, e ela se aconchegando nele suspirou, "obrigada, mamãe". E eu sorri. Se consegui ensinar Ana Clara que ela tem que agradecer a esticadas de travesseiros, sonolenta, no meio da madrugada, posso fazer isso de novo. Vamos fazer tudo dar certo.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Me falaram

Me falaram que se eu ficasse assim, pegando ela no colo o tempo todo, dando aconchego e mimo e paparico, ela ia ficar muito dependente.

Amamentar também, até sabe-se lá quando, pura dependência.

E se acostumasse a dormir comigo, certeza que a independência seria tardia - tardia demais, capaz de nem acontecer.

E não era pra deixar ela se alimentar no meu colo.

E não era pra deixar ela no colo a não ser que estivesse com dor ou se esgoelando de chorar.

E dormir no colo, então, valha-me Deus e Nossa Senhora, que isso é um grude que não acaba mais.

Acostumar com banho junto, filme junto, tudo junto...é muito junto.


Cadê essa galera na hora de explicar o final de semana que Ana Clara passou comigo, mas totalmente desligada de mim?

Tirando umas duas "acordadas" sonolentas, em que eu ouvi um rápido "quero colinho...", eu nem a via. Ou melhor, eu via. Ali, com uma tia. Aqui, com o avô. A madrinha foi levar no banheiro. Chamou a amiga da mãe pra ajudar a varrer. Pegou a babá pela mão e foi mostrar o parquinho. Pediu pro padrinho ajudar a subir os degraus da brinquedoteca. O tio para balançar a rede. Todo mundo tentando dar comida, mas quando era eu ela desconversava, "não, tal pessoa já deu papá pra mim".

E pra mim? Um rápido "mamãe, eu vou nadar com o meu pai. Beijo, te amo".

Beijo, te amo.
Quando vier deitar, apaga a luz, tá bom?


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Ensaios sobre a Lógica

- Mamãe, o que você colocou na boca?

- Hmm... É... um chiclete.

- O que você colocou na boca do papai?

- ...um chiclete.

- Ah. Por quê?

- Porque a mamãe fica enjoada na serra, o chiclete ajuda.

- Eu também fico enjoada na serra.

- ... Fica, filha, mas é melhor então a gente abrir o vidro e deixar entrar o vento.

- ... Mamãe, dá um chiclete pra mim, por favor?

- Filha, chiclete não é legal. E nós estamos no carro, em movimento, é pior ainda...

- Mamãe?

- Oi?

- Você tá no carro?

- ... Ana, a mamãe está no carro, mas a mamãe é grande. Você é pequenininha, ainda está aprendendo como faz pra mascar chiclete. Tenho medo que você engasgue. É melhor mascar chicletes quando a mamãe estiver perto.

- ...

- ...

- Mamãe? Você tá perto de mim? Hein? A gente tá perto?

- ... Eu estou, Ana, mas estou aqui na frente. Vai que você engasga? Mamãe não vai conseguir te ajudar daqui.

- Ah.

- ...

- Mamãe?

- Eu.

- Tem mais chiclete?

- Tem.

- Não come tudo.


Adivinha o que ela me pediu quando nós chegamos em casa e descemos do carro?

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Meu irmão vai nascer! - ou da série, Como Crianças tem uma Super Imaginação

Domingo cedo. O Rafael e a Clara dormindo preguiçosos, eu me sentei no quarto que será do Lucas e comecei a cutucar as unhas com as ferramentas indicadas.

Escutei o barulhinho da Ana acordando e ela foi direto pro nosso quarto. Cutucou o pai:

- Papai... cadê a mamãe?

Enquanto o Rafael acordava, ela me viu de longe, sentada na poltrona do quarto do irmão, com a barriga de fora (culpa do pijama, que já ficou curto), e com vários objetos perfuro-cortantes nas mãos.

- Papai, acorda! Meu irmão vai nascer! A mamãe vai tirar o irmãozinho da barriga...!

Some-se a isso o fato de que minha barriga está gigantesca. Some-se a isso o fato de que eu passo os dias reclamando de dor na pelve. Some-se a isso o fato de que a gravidez da Ana durou 11 dias a menos que o previsto. Tenha sempre em mente que o Rafael estava acordando... e você vai conseguir imaginar um décimo do pânico que eu vi no rosto dele quanto chegou na porta do quarto perguntando se estava tudo bem...rs.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Dramática

- Mamãe, vou levar a minha boneca.
- Não, filha... Nada disso. Deixa a boneca, por favor. Não dá certo, sair de casa pra caminhar levando boneca.
- Mas ela é o meu bebê!
- Eu sei, querida. Mas ela é forte.

Com um biquinho, guardando a boneca no guarda-roupa:
- Tchau, bebê... Eu vou sentir sua falta. Você vai ficar bem... Você é forte. Não chora!

E depois, na porta de csa:
- Escuta... Acho que é meu bebê. Ela tá chorando, tadinha...
- Você quer ir lá ver se ela está ok?

Dando de ombros:
- Nah. Ela vai ficar bem.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O Capitalismo e as Lições

Ontem, nosso momento mágico de domingo à noite. O pai na sala colocando as séries em dia, eu e Clara no quarto assistindo a "Croods" pela trocentésima vez e chamegando. De repente ela deitou do meu lado, serena, e deu um suspiro. Aí esticou os bracinhos, me cutucando:

- Mamãe, eu não quero que você vá trabalhar.

Ela já sabe - é domingo, o outro dia é dia de ir trabalhar. Eu olhei pra ela, tentei respirar fundo, mas antes que eu respondesse, ela seguiu:

- Não, você pode ir trabalhar, para trazer moedas. Moedas para eu por no cofrinho. Mas pouco. Pode ir trabalhar bem pouquinho.

- Trabalhar só um pouquinho?

- É. Pouquinho. Para trazer moedas, colocar no cofre.

- Pra comprar o quê?

- Uma bicicleta para o papai.

Eu estava um pouco derretida, porque achei altruísta fazer o cofrinho para presentear o pai. Mas o cofrinho é dela, ela precisa saber disso:

- Papai já tem uma bicicleta... e o cofrinho é pra comprar alguma coisa pra você. O que você quer comprar pra você?

- Pra mim? - olhos brilhando - Pode ser... uma bicicleta!

Verde e azul. Ela quer uma bicicleta verde e azul.


Hoje cedo, Rafa me liga:

- Quando Clara acordou, perguntou de você. Eu disse que você tinha ido trabalhar...

- E ela?

- Ela ficou brava. "A mamãe trabalha muito!".

Só um pouquinho que podia, né, Clara? =*

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A ordem dos fatores

- Mamãe, olha! A bruxa mavalda!

- Degavarinho, mamãe... Degavarinho....

- E aí, chegou um bolo! Muito mau...!
- ...Um bolo, Aninha?
- É. Um lobo. Muito mau. Grrrr!


terça-feira, 2 de setembro de 2014

Mundo Velho e Decadente Mundo

Tem dias que a gente se sente mais fora da curva, pausa para uma reflexão "eu no mundo e o mundo em mim". As minhas incompatibilidades últimas tem sido fortemente relacionadas ao universo dos filhos - mas não somente a este...infelizmente...rs.

Por exemplo.

Me assombra o número de pessoas que faz o comentário, depois que eu digo que espero um menino:
- Ah, que legal! Agora vocês vão parar, né?, já tem um casalzinho...

Eu fico na dúvida do que eu digo. Se digo que, realmente, no momento nosso plano é ter dois filhos. Ou se digo (o que eu tenho mais feito, ultimamente, não só por ser verdade como pela eterna satisfação de ver a perplexidade em olhares alheios), numa postura blasé, que acho que não dá sorte isso de ter um filho já pensando no próximo ou na ausência dele, que eu gosto de pensar em um filho de cada vez, e que daqui pra frente a gente vê o que será e como será. Ou se eu cedo ao meu coração, que tem uma vontade súbita de ser bem honesto e bem direto, num estilo "voadora", e dar uma palestra sobre planejamento familiar. Não vou parar porque tenho "um de cada", nem vou ter outro porque "agora virou a oração de São Bento, um pra fora e um pra dentro!". Eu e meu marido vamos continuar fazendo o que estamos fazendo deste 1999 - planejar o que queremos pra nossa vida, em todos os aspectos, e batalhar pra conquistar.

O outro comentário que me assola: "Que legal, um menininho! Menino dá bem menos despesa, e é mais fácil pra criar".

Bem se vê que essa gente de fato não me conhece, nem ao meu marido. Ao passo que o último batom que eu comprei foi em 2011, só pra não ficar (muito) chato com uma colega de trabalho que me ofereceu Natura, meu marido é o responsável por me avisar que preciso de roupas novas, porque essas não dão mais. Estereótipos - são estereótipos. Às vezes, a realidade não se baseia neles, e consegue ser simplesmente a realidade. É um fenômeno incrível.
E... meninos são mais fáceis de educar? Em se tratando de seres humanos, estamos perdidos. Seres humanos são insuportavelmente difíceis de educar (tá aí o mundo, que não me deixa mentir). Fico pensando em como é, nesse universo enlouquecedoramente machista, educar um menino. Para que ele respeite não só às mulheres mas também à sua essência humana, independente do que os amigos ou a sociedade espera dele. Não me parece muito simples, mas tô aí, empenhada em descobrir como se faz isso.

Há que se ter paciência.

Não. Há que se ter indignação.

E educar as crianças pra não reproduzir essas falácias.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Malhando

Não basta a médica recomendar que você faça alguma coisa - "porque essa criança vai ficar enorme, e haja assoalho pélvico, minha filha" - e você ter uma amiga-anjo que já tinha oferecido tempo, disposição, recursos, conhecimentos e amor, muito amor, pra por o plano em prática. Tem que ter filha-boneca atrapalhando ajudando todo o processo. E aí, lá pelas tantas, quando você tá se acabando no exercício:

- Mamãe, você é linda! Estou muuuuito orgulhosa de você.

Quando eu olho você, Ana, eu até esqueço meus fantasmas e fico orgulhosa de mim, também. Afinal de contas, foi de mim e do meu parceiro-príncipe que saiu essa riqueza sem fim. *-*

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Quase

- Como chama o bisavô, Ana?
- Palmito!

Era Milton. Tá quase.

Mais dramático era o caso do avô, carinhosamente chamado de Brunão, quando Clara tinha um ano e pouquinho.

- Vovô Bundão!

Agora já melhorou. Chama de "Vô Bundo".

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Mereço.

Do nada, me vem com a pérola:

- Ô, mamãe, tem que comprar roupa comprida... Você tá muito barriguda, essa sua aparece a barriga!

Mas... vê se pode.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Acordar

Sonhos. Às vezes, eles te mostram o que você tem mais medo de ver.

Hoje, no meu sonho, eu vi o meu medo maior. No sonho, eu fechei os olhos e senti meu coração parar, diante do meu medo.

Na vida real, abri os olhos. Olhei para o meu lado - e a Ana estava lá, dormindo, tranquila. Nem a crise de tosse apareceu para atrapalhar a noite dela.

Meu coração estava na boca. Fiz uma oração, porque ela estava comigo. E dormi de novo, ainda aos sobressaltos, mas ao lado dos meus amores, todos eles.

Não há nada que pague o sentimento de ver seguro quem se ama.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Cada dia, mais difícil

Quando ela era pequena, era muito simples. Eu ia até o berço, chamava, ela abria os olhos já sorrindo. Tantas vezes sorri antes de abrir os olhos, é assim a minha Ana. Eu colocava no peito, ela mamava, dormia sorrindo também. E eu vinha trabalhar, dilacerada, enquanto ela ressonava tranquila ao lado do pai.

Depois veio o tempo em que ela já não voltava mais a dormir. No colo do pai, me dava tchauzinho. Sorrindo. E eu saindo da garagem, chorando.

Mais uma guinada, ela continuava dormindo. Eu ia sorrateira até o berço, um beijo, um cafuné, "Deus te abençoe" e "mamãe te ama" - o sono dos justos. E mais um dia na estrada.

E agora... ah, agora. Agora é que a coisa ficou difícil de verdade.

Quando o filho nasce, a gente se acostuma que o negócio não vai ser fácil e vai ter muita lágrima envolvida. Muita culpa. Muita saudade. Mas se é na gente, ok, fizemos inscrição nisso aí. Não lemos nas letrinhas miúdas, mas tava junto - "ser pai e mãe, vem junto: horas sem dormir, culpa máxima, chorar com motivo ou sem". Mas se é neles...

E agora eu me pego nesse dilema. Todas as noites.

- Mamãe, você não vai trabalhar nunca. Eu não quero que você vá trabalhar nunca mais. Você vai ficar comigo.

E ontem, no ápice do domingo à noite, na voz de choro:

- Por que, por que você vai trabalhar? Eu vou ficar muito triste. Eu vou ficar brava com você. Eu não quero que você vá trabalhar, porque quero que você fique comigo!

Meu estômago deu um nó. De ver que, quando estamos juntas, ela está pensando no mesmo que eu - em quando não estamos, em como isso faz falta, em porque não pode ser sempre assim. Calei todas as vezes que o assunto veio à tona. Ela me pergunta "por quê? por quê?". Ontem ela me perguntou se era porque a gente precisa de "tutu". Como responder a isso? Como dizer a ela que eu trabalho para que tenhamos a nossa vida, sabendo que, em parte, o trabalho também nos toma uma parte desta mesma vida?

Dormimos abraçadas, depois do chorinho sentido dela.

Hoje cedo, ela estava dormindo quando eu saí. Dei um beijo no rosto, acertei as cobertas."Deus te abençoe, flor. A mamãe te ama". Muito.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Desculpar o quê?

No meio da crise de tosse, Ana assustou com o catarro desprendo da garganta. Caiu sobre o lençol.

- Mamãe... Mamãe, olha! Desculpa passar mal na sua cama!...

- Filha, não me peça desculpas por isso... Tá tudo bem!

- Olha, sujou tudo... O que a gente vai fazer, agora?

- Você vai vir no meu colo...e nós vamos dormir.

Ela dormiu, serena, a tosse passou. Eu fiquei fazendo carinho naqueles cachos, pensando quanto amor pode caber em mim.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Saudade danada

- Alô?
- Mamãe!
- Oi, filha!
- Ô, mamãe, eu quis falar com você, porque eu tô muito sentindo a sua falta...
- Ô meu amor...
- Eu tô sentindo muito a sua falta, mamãe.
- Ah, querida, a mamãe logo...
- E, ó, acabô a batata. Acabô tudo! Você traz?

Hum.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Se liga, mãe

No supermercado:

- Posso ir ver os sabonetes? Sabe, mamãe, são os meus favoritos... É tão cheiroso!

E então, quando finalmente chegamos aos sabonetes:

- Mamãe, leva esse! (um sabonete bem comum, de, digamos, menos de R$1,00).
- Ah, filha, não sei... não gosto desse.
- Mas, olha, tem flores!
- Ana, mas a mamãe gosta do sabonete dela. Esse aqui. (um sabonete um pouquinho melhor, com hidratante, beirando os R$3,00).

Ela olhou atenta, um e outro.
- Mamãe, este aí, seu, é muito caro... Muito. Você não tem tanto "tutu", assim, pra ficar gastando muito...

E o pai, no meio da crise de riso:
- Sabe, ela tem um argumento...


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Quando você faz algo de errado

Às vezes a gente esquece, porque essa vida é muito louca. Mas não tem nada, nada, nada no mundo, que doa mais do que ver o seu filho mal.

Mal tem muitos sentidos. Mal pode ser depois de comer um pedaço de bolo a mais, ou pode ser triste. Ou pode ser com medo. Ou frustrado, assustado. Ou se sentindo só. Desamparado. E pode ter sido você que fez isso.

Nos dias ruins, de muita pressão, stress e problemas, você pode se exaltar. Você pode gritar. Mas adivinhe, talvez não tenha sido só o seu dia que foi ruim. Talvez o dia do seu filho também tenha sido ruim - ou até pior. Talvez ele tenha passado o dia triste ou assustado, ou desamparado, ou sentindo a falta de você e do seu acalento. E você grita. Ou nem grita, mas fica muito, muito brava. E é a gota d'água.

Eu olhei pra Clara e vi que ela estava mal. Ela estava triste, assustada, desamparada ou com medo, ela estava tudo isso, ou apenas se sentindo só. Vi as mãozinhas dela cobrindo os olhos, simplesmente para não encarar o meu olhar avassalador de "você está fazendo algo de errado!". E na impossibilidade de ver seus olhos, aqueles dedinhos apertados sobre eles me serviram como um espelho. E a voz de dentro do meu olhar ecoou de volta, também - VOCÊ está fazendo algo de errado. VOCÊ. Você, era eu. Eu estava fazendo algo de muito errado. Eu estava achando que educá-la era mais importante do que fazê-la sentir amada, ou protegida, ou segura, ou seja lá o que tenha sido que ela não estava se sentindo, no instante do meu olhar feroz, e a fez ficar mal.

Estaquei. Ela sussurrou "eu quero o meu pai".

Segurei ela forte. Quando ela afrouxou a guarda, a puxei para dentro do meu abraço. Nós duas suspiramos. Ela estava chorando, e eu por dentro estava em frangalhos, odiando ser adulta e não poder chorar também. Disse a ela tudo que eu queria dizer, inclusive a coisa mais honesta - "me desculpe". Disse o que ela tinha feito de errado, disse porque eu tinha ficado tão brava, disse que eu também estava brava com outros problemas que não eram dela e que isso não era justo, disse que ela não poderia me desrespeitar, mas que eu nunca gostaria que ela se esquecesse que eu a amo, só quero seu bem, e que nós somos um time, estamos do mesmo lado. E, por tudo isso, me desculpe.

- Eu te amo, mamãe. Desculpa.

Às vezes sinto que estou tão obcecada em fazer a coisa certa, que passo por cima da coisa mais certa de todas - fazer Clara se sentir bem. Você pode pensar que o importante é ensinar a criança a comer nas horas certas ou as coisas certas, ou a se deitar quando você pede e a guardar seus brinquedos. Mas nada disso criará o cidadão digno que o amor criará - eu acredito nisso. Essas coisas todas, as outras, fazem parte, mas não podem ser maiores que essa outra. E não tem a ver com mimar ou dar tudo ou aceitar tudo - na verdade, não poderia estar mais distante disso. É conseguir não fazer essas três coisas, criando um cidadão seguro e confiante.

Ela dormiu nos meus braços, tranquila. Confiando. Como um filho pequeno confia em seus pais, ninguém confiará em outro alguém. Chega a dar um nó na garganta.

No dia seguinte a esse relato, cheguei em casa do trabalho e ela veio me encontrar na garagem - sorrindo, feliz com a minha presença, esticando os bracinhos, reclamando saudades e perguntando de surpresas. E nós escrevemos uma história diferente da véspera, mais doce, mais serena, e mais cheia de amor. Reescrever, é preciso.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Coisa de Criança

Quando seu filho nasce, você é apresentado a esse conceito: "coisa de criança".

Quando seu filho tem uma "coisa de criança", isso significa que ele está doentinho - de algo que, graças a Deus, não é nada, mas que para você é tudo.

Se seu filho tem uma "coisa de criança", todo mundo está tranquilo, porque logo isso vai passar - é só a garganta, o ouvido, uma alergiazinha, alguma coisa que atacou o estômago. Mas você está desesperada - se já vai passar, por que simplesmente não passa e nos deixa em paz?

A "coisa de criança" é examinada malemá pelo médico, que já viu aquilo só umas quinze vezes, nessa tarde. Você, no entanto, ficará uns três dias acordando de madrugada pra dar o remédio e se perguntando "será que não era pra já ter passado? Será que o diagnóstico está certo? Ele nem olhou meu filho direito...".

E, por mais que a "coisa de criança" te tire o sono e o sossego, no fundo, no fundo, você vai rezar secretamente para que tudo, cada tombo nessa vida, seja só uma "coisa de criança", e nunca outra coisa.


Clara está ótima, graças a Deus, não foi ela quem motivou esse post. Só me peguei envolvida com fotos das crianças em Gaza, do menino que se aproximou demais de um tigre, a notícia da mãe que atirou o próprio filho contra a parede, com histórias que crianças nunca deveriam viver. Que nossas crianças estejam protegidas, de todo o mal. *suspiro*

terça-feira, 29 de julho de 2014

Coisas que me dão coisas

Coisas que eu não digo pra Clara, e me dão comichões quando alguém diz:

"Isso não é coisa de mocinha" ou a versão piorada "Isso não é coisa de mocinha direita".
Exemplo do que motivou: sentar no chão, de vestido, com a calcinha aparecendo. Clara continua tendo só 2 anos.
Sério? Sério? O que é uma coisa de mocinha? Li um romance do século XVIII que muito se assemelha a sua visão do que é uma "mocinha", minha senhora, e nem um pouco a minha visão do que eu penso ser uma mulher jovem feliz e realizada. Tanto jeito pra pedir pra criança sentar direito, tem que escolher pelo jeito machista (e, na boa, datado)?

"Ah, é que isso é coisa de menino" ou "Isso é coisa de menina".
Exemplo do que motivou: ela quer comprar um carrinho ou pergunta porque um menino não está usando brincos.
Eu acredito em homens. Acredito em mulheres. Acredito que nós temos diferenças e semelhanças. Não acredito em coisas de um e coisas de outro. Não quero criar minha filha cheia de preconceitos. Quando vi Clara oferecendo, entusiasmadamente, um batom para um amigo nosso, que não sabia muito bem como agir, eu disse o simples "ele não gosta de batom, filha, nem todo mundo gosta". Funcionou, ninguém se ofendeu, e eu não comecei a incutir nela uma coisa que a sociedade já vai fazer o desserviço de tentar incutir.

"Vai te dar dor de barriga!" - ou, de cabeça, de ouvido, ou resfriado, ou gripe, ou "vamos ter que ir ao médico" ou "vai precisar de injeção", ou ainda "você vai cair daí e machucar".
Exemplo do que motivou: esse não precisa de exemplo, é auto-explicativo.
Essa, sem dúvida, é a ideia mais idiota que alguém já teve. Com poucas palavras, você consegue: a) fazer irrelevante o julgamento do seu filho (pode não ser grande coisa, aos seus olhos, neste início de vida, mas lembre-se que estamos tentando criar um ser humano, e não um bonequinho de dar corda); b) colocar uma ideia potencialmente negativa no seu filho (um dia Clara comeu um pedaço mais generoso de pão e me disse, preocupada, "ih, agora vai me dar dor de barriga..."); c) criar uma resistência pra quando realmente precisar levar a criança no médico, o que já não precisa de muitas resistências adicionais. Aqui em casa o genérico, "não faz isso, filha, que é perigoso/não faz bem pra você/mamãe fica preocupada que você se machuque" funciona perfeitamente bem, e eu não me sinto um oráculo do agouro.


Clara continua ouvindo as coisas que eu não falo, pelo menos uma vez ao dia, de outras bocas - o que gerou a preocupação com o negócio de comer um pedaço maior de pão no outro dia, e tantas outras preocupações.

Aí eu desabafo no blog.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Dividindo

Sei que não é bom isso de ficar comprando doces pra criança. Eu mesma sou uma obcecada rastreadora de balas e chocolates, já ralhei com tias, babá e amigos em geral - menos, bem menos doces.

Mas o kinder ovo era do Rio. Ana adora as araras azuis, vai que a gente tira uma...

Lógico que não tiramos. Lógico. Tiramos a cacatua do mal, mas ela se divertiu mesmo assim. Fez pouco caso do chocolate, "vou montar este, primeiro".

Depois veio atrás de mim, pediu o chocolate, eu disse onde estava, pode comer?, pode. Daí me estende uma metade:

- Mamãe, vamos dividir. Este é seu.

Peguei o chocolate duvidosa, agradeci. Eu tinha trazido pra ela. Mas tinha a opção de não só confirmar o que eu venho ensinando, que a gente tem que dividir, como de reduzir a ingestão de açúcar (dela, obviamente). Aceitei. Quando ela estava na metade do pedaço dela, eu já tinha terminado o meu.

- Mamãe, o seu já acabou?

- Já. Estava uma delícia, obrigada, Clara.

- Quer mais um pedaço do meu?

Dessa vez, eu agradeci de novo mas disse que não. Ela é doce que só, deixa ela comer o chocolate...

terça-feira, 22 de julho de 2014

Dias bons

Não bastasse a criança estar, assim, linda e educada, bem humorada e brincalhona, falante e extrovertida, ficou radiante quando viu que eu tinha trazido chocolate.

- Meu favorito!

O da vaca, lógico. Os outros ela não liga. Senti um arrepio na espinha, estávamos nos preparando pra jantar, vai que atrapalha o apetite...

- Mamãe, vou deixar guardado aqui em cima, pra gente comer depois de papar, tá bom?

Mãe que derrete, sou eu.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O incrível "importar-se"

Quando eu fico brava com a Ana - e danados hormônios da gravidez, que ultimamente eu ando muito brava -, uma reação involuntária do meu corpo é franzir o cenho. E eu sei disso, porque a Ana me disse.

Nós conversamos, ou eu dou uma bronca, ou o que seja. Ela se aproxima, estica as mãozinhas para o ponto entre os meus olhos e estica, tentando desfazer a todo custo as rugas ferozes que estão lá:

- Não fica triste, mamãe. Me desculpa.

Como todos nós já achamos um dia, ela também acha que pedir desculpas é o botão "reset". Que vai ficar tudo bem instantaneamente. Mas numa semana difícil, não funciona assim:

- Por que você não está feliz, mamãe? Por quê? Desculpa, mamãe.

E os dedinhos insistentes, esticando meus supercílios, tentando desfazer aquela cara de "mãe brava" que ela detesta.

A Ana Clara se importa. Ela está naquela idade mágica em que a mãe triste é um problema que afeta todo o mundo dela, e quando ela é responsável por isso, a culpa é avassaladora. E, quando não é responsável por isso, me corta mais ainda o coração...

Nós estávamos numa missa. Não frequento à missa sempre, mas tenho cá minha religiosidade. E estava passando um pedaço tão complicado que, quando comunguei, conversando com Deus, as lágrimas rolaram pelo meu rosto. Eram em parte um desabafo, eram muito um agradecimento. Porque tudo tinha passado - mas tinha passado, e eu tinha ao meu lado (e dentro de mim) as minhas maiores riquezas.

- Mamãe, não chora! Mamãe, vai ficar tudo bem, mamãe. Não precisa chorar!

Ela me abraçou, me beijou. A voz embargada.

- Papai, a mamãe tá chorando! - algo como, "como fazemos isso parar, agora?" - Não chora, mamãe, eu te amo.

Quando eu sorri, ela sorriu junto, ficou na dúvida:

- Se você está feliz, por que você está chorando?

Com tempo, a Ana vai entender como conseguimos estar felizes e chorando ao mesmo tempo, e como ter ela do meu lado naquele instante fez a cota de choro de agradecimento ser muito maior do que o choro de desabafo. Por hoje, quem precisa entender sou eu. Que tudo, no seu cerne, é simples. Simples e grandioso. Como o amor puro dessa minha criança...

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A Cama Compartilhada - e cadê o neném?

Coisas que eu já ouvi por ter optado pela cama compartilhada:

- Criança tem que dormir na própria cama. Depois vai dar muito mais trabalho.

- Vai ficar muito dependente de você, atrapalha a autonomia.

- Vai atrapalhar seu casamento. (em tempo: a gente leva a Ana pra cama dela, depois, ela não fica "amarrada" na nossa cama. de verdade).

- Vai atrapalhar o desenvolvimento da independência dela.


O que aconteceu ontem à noite, enquanto papai e eu líamos na sala:

- Cadê a Ana? Tá tudo muito quieto.

- Vou ver.

Dormiu. Na cama dela.

Saí de manhã e ela estava dormindo, ainda, mas hoje à noite vou reclamar - cadê o meu boa noite?

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Aí o neném...

No meio do relatório dos infernos, cheio de problemas dos infernos, que são de arrepiar os cabelinhos e estragar a tarde. Aí o neném mexe.

<3

A gente tava falando do que, mesmo?

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Da solidão e outras histórias

Ontem me bateu essa solidão, assim, que nada resolve. Eu estava sozinha com a Ana, mas não era solidão de companhia. É uma solidão que eu só conheci quando estava grávida da própria Ana, e percebi que nada no mundo poderia curá-la - nem meu marido, nem nenhum amigo, nem minha mãe. Acho que é a solidão de quando a gente se dá conta de que a ampulheta virou, que nosso tempo de filho passou e começou um outro tempo (com muitas mais responsabilidades, com muitas mais coisas sobre os ombros). E você - e você só - tem que encarar.

E então eu a senti, de novo. De mansinho. Essa solidão calada e profunda. E a Ana estava lá.

Eu não tive uma reação. Eu não chorei, nem resmunguei, nem suspirei, nem nada. Eu simplesmente fiquei lá, sentada, olhando pra ela enquanto ela se divertia com o Lego, e me sentindo profundamente só. E então ela levantou o olhar pra mim, aquele olhar que já sorri antes dos lábios acompanharem:

- Mamãe, você tá bem?
- Estou, filha.
- Você quer brincar de Lego comigo?

Pensei no Lucas, na hora. Pensei em como será ter os dois ao meu lado, e como esse laço é tão rico e poderoso.

- Já, já.

Quando ela nasceu, eu sabia que estava ganhando uma filha e uma companheira. Mas como imaginar o que a Ana significaria pra mim? A importância deste olhar, deste mimo. Desta presença.

E olhei pra ela de novo. E a solidão tinha diminuído, um pouquinho.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Só pra dizer, obrigada

Das coisas que a gente vê nessa vida, e olha que há coisas que a gente nunca deveria ver nessa vida, a que mais me agonia é a impotência dos pais diante dos tombos que seus filhos levam.

Crianças sensíveis, crianças alérgicas, crianças doentes. Mesmo quando não são crianças mais. Nada pode levar um pai ou uma mãe à loucura tão rapidamente quanto seus rebentos.

E aí... a empatia. Lendo por essa internet um sofrimento que não é meu, mas que me tocou fundo - como ficar imune à dor de uma mãe? -, me calou lá no fundo uma certeza. A certeza de ser grata.

Grata a Deus, ao universo, ao destino, a essa energia mística que faz o mundo, qualquer que seja ela, pela Clara, pela saúde da minha Claraboia. Pelo seu sorriso, seu estômago de avestruz e a sua resistência. E pela saúde do pequenino, que aqui na minha barriga está se tornando cada dia mais forte para vir viver a aventura aqui do lado de fora. E pela saúde minha, do Rafa, das nossas famílias, de todos que amamos, para viver conosco esse momento tão mágico.

Só pra dizer. Obrigada.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Peppa Pig, por quê, oh, Deus, eu me pergunto!

- Clara, lembra no ano passado, quando você fez dois anos? E a gente comemorou enfeitando tudo de Cocoricó...?
- Lembro.

Suspiro.

- Eu quero de novo, mamãe! Eu quero o Cococoral.
- Então, mas este ano já vão ser três aninhos... Vamos fazer festa de outra coisa, né?
- Da Peppa!

Emudeci.

- Da Peppa, mamãe!
- Ah... Ana, que tal a Dora?
- Não, a Peppa!
- Ou do Gru... Lembra, você tinha falado do Gru! Dos Minions...
- Não, da Peppa! - reforçando bem o "Peppa", vai que eu sou surda - Eu quero da Peppa, mamãe, por favor.

Ok. Mês que vem a gente conversa de novo.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Light

Eu me esbaldando na maçã-do-amor.
- Você quer?
Fez que sim, dei um pedaço da coisa toda.
- Quer mais?
Fez que sim com a cabeça, daí apontou a maçã:
- Só desse.
- Só a maçã?
- É.
- Sem o doce?
- É.

Crianças de hoje em dia.
Depois ficou triste que a maçã acabou, e eu me deliciei na calda que eu adoro.

Pra você saber, Ana

Quando a mamãe ficou grávida, a sua reação foi essa:
- Filha... Lembra que a mamãe te falou que queria que você tivesse um irmãozinho? Então, você vai ganhar um irmãozinho...
(rindo) - Nãaaao....
- Vai, sim... Ó, tem um neném na barriga da mamãe.
 (rindo mais ainda) - Nãaaao, mamãe!

Depois que você entendeu que realmente ia ter um irmãozinho:
- O que você vai ganhar?
- Um irmãozinho.
- E onde ele está?
- Na minha barriga!
- Não, filha... na da mamãe...
- Mas eu quero na minha!

Quando eu te perguntei o que você achava que era:
- É uma menina!
- E como vai chamar?
- Anabel.

E depois, quando falei que era um menino:
- Como vai chamar seu irmão, Ana?
- Anabel.
- Mas é um menino...
- Anabel.

E quando eu te disse que era o Lucas:
- Sabe quem está na minha barriga? O Lucas.
- Não, mamãe... é meu irmãozinho!
- Seu irmãozinho vai chamar Lucas, filha.
- Ah... Não pode ser Woody?

E nos cinco minutos depois disso:
- Mamãe tem meu irmãozinho na barriga. O Lucas.

Amor maior não há. Filhos.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O Drama Escolar

Eu sempre bradei aí aos quatro cantos que respeitaria o tempo da Clara. Essa sempre foi, no fundo, a minha meta mais séria. Não pode gritar, não pode deixar tudo, mas o que mais não pode, sob nenhuma circunstância, é ignorar o tempo da minha filha em prol do meu tempo.

Como era de se esperar, com uma premissa dessas, estou prestes a levar uma rasteira.

Eu acho que Ana Clara quer ir para a escola. Ela fala, ela mostra, ela pergunta, ela junta as coisinhas dela e põe numa mochila. Ela quer mais crianças, ela quer muitas coisas. E eu acho, sendo mais honesta comigo do que estou pronta para ser, que Clara está pronta para ir à escola.

Ela saiu da fralda, ela quase consegue se virar sozinha no banheiro, ela está se comunicando.

E eu estou em frangalhos, porque não estou certa se quero que Clara vá para a escola.

Me falta aquela coisa que sobra nos pais: "porque fulano, foi com tal idade para a escola, e já conta até tanto, e já fala tal língua, e tem amiguinhos, e a escola foi ótima..." e blá, blá, blá. E todo aquele papo de independência e tal.

Bom, vamos por partes.

Você consegue ensinar macacos a contar. Sério. Isso não é grande vantagem.

Se eles vocalizassem, talvez fosse capaz de ensinar as cores em inglês.

O drama é como isso é feito. Estamos criando pessoas robóticas. As escolas tem como meta o vestibular. O vestibular! A que ponto chegamos, é ridículo. Não precisa preparar pra vida, não precisa ensinar raciocínio, não precisa despertar questionamento: passou no vestibular, tá beleza. Eu tenho vontade de chorar. Quando foi que uma prova passou a ter mais importância que todo o resto? Que a vida inteira?

E as crianças das escolas... Meu Deus. Como eu sofri com os colegas da escola. Sim, chega uma hora em que a loteria se prova e você conhece alguém que faz tudo valer a pena. Mas das centenas de colegas que eu tive, não tive 10 que me fizeram ter prazer de encontrar durante as aulas. Crianças mesquinhas, mimadas, materialistas, obcecadas com imagem e com status, quantas dessas cruzaram o meu caminho e nós nos odiamos mutuamente?

Não me acho perfeita. Só acho que a escola está um tanto distante dos meus valores mais sérios. E aí dá um medo profundo enfiar a Clara nesse lugar - no lugar em que eu fui feliz e infeliz, em que aprendi tanto e aprendi coisas que nunca deveria ter aprendido, como o fato de que as pessoas não são confiáveis e de que por trás de tudo que se lê numa lousa há um princípio coercitivo.

Não sei se estou pronta. Estou sofrendo por antecipação. E quanto mais eu converso com outros pais, orientadores pedagógicos, professores, mais eu sofro. Não deveria ser o contrário? Eu achava que isso aumentaria minha segurança, minha confiança, mas o que essas pessoas me dizem, o que elas usam como valor...

Numa entrevista em uma escola, perguntei a orientadora sobre método. E ela me disse "usamos o livro de tal empresa-didática-que-eu-deveria-achar-o-máximo-só-que-não". Ah. Ok, então. E o método? Dá-lhe um nó na língua e, no final das contas, é isso mesmo - as crianças sentam, os professores falam, e haja princípio cristão passando por baixo da porta. Como boa cristã, fiz o sinal da cruz pra me proteger desse lugar, e risquei na listinha.

Não posso proteger a Clara do mundo. Mas quero a Clara madura para encarar o mundo - para não fingir que gosta das Chiquititas só pra enturmar, ou que não gosta a partir de uma certa idade pelo mesmo motivo. Quero que ela seja tão estranha quanto quiser ser, e tão feliz quanto se permitir.

E que venham os novos desafios. Vamos encarar juntas.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Comer, o que fazemos de melhor

Ontem fomos até um supermercado, e no caminho decidimos pegar um lanche na volta.

- Eu também quero um lanche, mamãe!

- Tudo bem, filha.

Sendo que ela era a única que já tinha jantado, era muita disposição - mas nunca duvidamos da Ana Clara.

Na hora do pedido, falamos tudo, a moça anotou, Ana fez questão de também pedir uma bebida, ok. No caminho pra casa, ela dormiu no carro. Chegamos, coloquei na cama, ela no sono dos justos - continuou dormindo tranquila, sem sobressaltos. Comemos, guardei o lanche dela na geladeira, fomos dormir.

À 01 da manhã, escuto o grito vir lá do quarto:

- Mamãe! Mamãe!

E quando eu parei na porta, ela ainda coçando os olhinhos:

- Cadê meu lanche?

E enquanto eu pegava no colo, um pouquinho mais desperta:

- E o meu suco?

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Mudanças

Lido mal com mudanças. Quer dizer, eu entendo que elas devem haver. Eu entendo que, quase sempre, elas são pra melhor. Eu entendo que, mesmo quando as mudanças são daquelas que assustam, entristecem, derrubam, no final das contas a gente acaba levantando, dando uma super volta por cima, recomeçando, sei lá, e as coisas se ajeitam. Saber disso tudo não faz com que eu lide melhor com mudanças.

Mas as coisas mudam, e como. Mudam os carros. Mudam os cômodos da casa. A porta de entrada. Os móveis. Mudam os empregos e os cursos, mudam os colegas, mudam tantas coisas. E mudam as pessoas. Mudamos os cenários porque alguns se vão, e alguns chegam. E que prazer que é alguém chegar.

Este mês está sendo um mês muito louco pra mim. Mudou a minha idade. Mudou o carro que eu dirijo. Mudou o lado que eu entro na minha casa e até o lado em que eu dormia da cama. Mudou o lugar da minha filha dormir e o nosso lado de assistir TV. Mudou a programação da TV, porque agora tem copa. Mudou o sexo do bebê que eu tenho na barriga - eu achando que era um, o danado do ultrassom me desmoralizou mostrando outro (e nos enchendo de felicidade do mesmo jeito, porque o que me importa é o bebê que eu tenho na barriga, e não se as roupinhas serão predominantemente azul ou rosa). E eu tantas vezes me senti confusa.

Confusa na hora de levantar da cama, na hora de procurar minhas coisas no armário. Confusa na hora de guardar as coisas no armário - tantas vezes levei a cesta de roupas passadas para o quarto errado... Eu me senti perdida e assustada, e com medo.

E aí... Eu achei que senti o neném mexer.

Não sei se foi ele, talvez tenha sido o meu próprio corpo. Mas pensar que era o corpinho dele, se sacudindo, me fez ver essa mudança. Mais essa. A mais preciosa. A mudança da Clara de única para primogênita. A mudança minha e do Rafa, de pais da Clara, para pais da Clara e do Sem Nome. A mudança do Sem Nome, que nós chamamos, e ele veio. Veio para nos trazer paz e norte. Veio para ser remanso nessas ondas tão fortes. Veio para nos acalentar no colo dele, para nos mostrar o que tem sentido e valor nesta vida.

Eu continuo tendo medo das mudanças. Mas quantas vezes elas são boas?

Sem Nome, nós já te amamos muito. Obrigada por ter escolhido o meu ventre. Nós te esperamos, de casa e braços e coração aberto. E eu te prometo poucas coisas. Basicamente, todo meu amor. E um nome. =*

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Sementes

Naquela fase em que, se você disser algo, este algo pode e será usado contra você.

- Mamãe, não faz isso. Não pode. Você me deixa maluca!

- Não me desobedece. Vou ficar brava.

- Você já tomou seu remédio? Tem que tomar o remédio, mamãe...


Funciona nos dois sentidos, no entanto.
Este domingo, almoçando, Clara disse aos amiguinhos:

- Neném, desce daí, não pode... Vai machucar.

- Por que você não está comendo?

- Aqui não pode correr...atrapalha as pessoas.


É normal que eu sinta, ao mesmo tempo, medo e orgulho. Medo de Clara ser a criança-não-criança que eu fui, o que torna mais difícil a socialização até, sei lá, os dezoito ou vinte anos. Ao mesmo tempo, ela é a criança-não-criança mais doce do universo, e é minha, então o sentimento de orgulho ainda está bem maior que o do medo...rs. Que ela seja feliz, me basta.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Artimanhas

- Mamã, dá o catchup pra eu colocar na minha comida, por favor?

- Não, Ana. Você sabe que eu não deixo.

- Mas hoje, o papai...

- Sei que o papai põe na comida dele, de vez em quando, mas eu não sou seu pai. E eu não gosto disso de comer catchup com comida.

Silêncio, engrenagens trabalhando.

- Mamãe, vamos brincar que você era o meu pai?


terça-feira, 17 de junho de 2014

Dorme, neném

- Dorme, Ana.

- Mas mãe, sabe, eu não consigo.

- Consegue, filha. Fecha os olhinhos.

- Mas mamãe... eu não consigo!

- De olho aberto não consegue, mesmo, filha! Tenta relaxar...

- Eu não consigo relaxar, porque tem um carneiro aqui no quarto.

- Ótimo, então. Aproveita e conta carneirinhos, ajuda a dormir.

- Mas é que tem um só.

- Ana! Então conta o mesmo, várias vezes.

- Tá bom.

Meio segundo depois:

- Um carneirinho. Um carneirinho. Um carneirinho.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Ao pé da letra

Hoje, almoçando, suspirei:

- Hummm...comida fresquinha!

- Não, mãe! Tá quente! Ó! Tá bem quente!

Perspicácia, a gente vê por aqui.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Hoje cedo

Na hora de sair:

- Mamãe, você vai trabalhar?

Eu vi o biquinho. E doeu.

- Eu vou, meu amor. O dia vai passar rapidinho...

E ela caiu no choro. Não era birra, não era graça, não era nada. Era só um choro doído, que foi levando meu coração derretido enquanto descia o rosto dela:

- Mamãe, não vai trabalhar, hoje! Fica comigo! Fica comigo, por favor. Não vai, mamãe.

Fechei ela no meu abraço, apertado. Tentei beijar cada lágrima que eu causava. Ela me olhava esperançosa:

- Fica comigo, hoje?

- Amanhã, meu amor. Amanhã e depois.

O bico voltou.

- E daqui uns dias, duas semanas. Mamãe vai sair de férias! Não é bom? Nós vamos ficar juntas o dia inteiro, muitos dias.

Muitos dias. Nem eu acreditei nessa minha mentira, mas o que dizer a ela? O sorriso não abriu. Ficou me olhando séria.

- Me dá um beijo, meu amor? Mamãe tem que ir...

Ela me abraçou de novo. Me beijou. Quando me soltou e eu cheguei na sala, veio correndo de novo:

- Mamãe! Não vai...! Me dá um beijo.

Fiz a maior covardia que as mães fazem. Me abaixei, olhei nos olhos dela:

- Eu vou te dar um beijo e ele vai te fazer muito forte. E a mamãe vai sair pra trabalhar, e o dia vai passar rapidinho, e eu vou voltar logo logo pra gente ficar juntinho. Tudo bem?

Ela fez um sim que era não, mas fez que sim.

Me deu mais um abraço apertado, eu dei o beijo, e ela voltou resmungando para tomar café.

E o meu pedaço, que sobrou, veio trabalhar. *suspiro*

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Carta para Ana Clara

Já vi algumas cartas em alguns blogs por aí, até no facebook. E aí... por que não? Para quando eu me for, antes disso ou depois, que ela saiba.


Minha luz Ana Clara,

acima de tudo, minha filha, e acima de mim mesma, obrigada. E acima de todos nós, tudo passa. E passar por essa terra se tornou uma aventura muito mais doce, mais complexa, mais maravilhosa e mais mais quando você chegou.

Saiba que eu te amo, você sendo bailarina ou lutadora do MMA. Saiba que eu te amo, você sendo dona de casa ou empresária, mãe de cinco ou celibatária, casada com um João ou com uma Joana, morando na cobertura ou na comunidade hare krishna. Eu te amo, se você resolver aprender todas as línguas ou só a do amor. Eu ate amo, acima e além, e a cada dia tento me preparar para te amar em cada pedacinho de como você será e se verá, e não só como eu te vejo agora.

Há brigas. E até gritos. Não era o plano, gritar, mas brigar era sim. Eu lamento. É a parte dura e uma das mais importantes, mas não é a melhor - então eu lamento. Mas tem-se que saber que não se pode colocar biquíni em pleno maio e nem ir ao parquinho às dez para as dez da noite. E que não adianta se jogar no chão por causa disso. É preciso que se aprenda, além do certo e do errado, que há coisas que simplesmente não resolvem nenhum dos nossos problemas - se jogar no chão entre elas.

E te ensinar o certo e o errado... Minha filha. Como? Se eu não acredito em erros e acertos, apesar do meu perfeccionismo, veja que coisa. Eu acredito em limite. Eu acredito no outro. E acho que isso resume o que eu tento fazer dia após dia: te dizer que você pode ser quem quiser e tomar as suas decisões como entender, desde que o outro seja respeitado, sempre, e tanto quanto você deve respeitar a si mesma. Acho que no fundo, no fundo, sou meio humanista, e isso lá é qualidade...

Filha, você me ensina a cada dia uma lição de afeição e de entrega. Eu a aprendo para praticá-la com você, quando a escola e os amigos e o balé e o namoro estiverem na minha frente, na equação. Afeição e entrega. Eu tenho que te dar espaço para crescer - mas é bem capaz que de vez em quando eu esqueça e acabe te cobrando ou até quase te sufocando, porque é isso que as mães fazem, e é amor puro. Então, tenha um pouquinho de paciência, sim? Só me lembre. Só isso.

Eu te desejo a felicidade. Eu desejo que você saiba que, no fundo, no fundo, tanto faz. Tudo tanto faz, menos o que realmente importa. E o que realmente importa, se eu tenho uma certeza nessa vida, não são coisas, mas pessoas. Escolha as suas e as ame loucamente, até doer. É o caminho mais curto para a felicidade, e onde ela é mais completa.

Minha lucidez, minha luz. Ficar velhinha para te ver ficar velhinha, também. É o meu sonho mais ambicioso.

Com todo amor que já caminhou por este mundo, e além dele,

Mamãe.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Dos motivos pelos quais chegar em casa é o máximo

Chegar em casa é o máximo, porque ela vem correndo com os bracinhos esticados, os olhinhos arregalados, e na boca o sorriso se mistura ao mantra "mamãe, mamãe, mamãe, mamãe, mamãe!" - entoado do cômodo em questão até a porta da sala, culminando num abraço e na drástica mudança, "mamãe, vem comigo, quero te mostrar uma coisa!".

Chegar em casa é o máximo, porque às vezes tem flor, ou desenho, ou coração que a tia ajudou a recortar com marca de batom no formato de um beijo:

- Ó, um beijo. Meu, pra você!

Chegar em casa é o máximo, porque tem dengo trocado e até criança que mima a mãe:

- Mamãe, quer um copo d'água, quer? Eu pego pra você!

Como dizer que eu não quero? Capaz de tomar uns cinco litros de água, num dia.

Chegar em casa é o máximo, porque ela me ajuda a passar o creme anti-estrias na barriga.

- Conversa com o seu irmãozinho. O neném ainda não fala, mas já te escuta...
- Ô, neném... eu te amo!

Chegar em casa é o máximo. O máximo dos máximos. E pensar que daqui mais ou menos seis meses, em casa terei dois máximos me esperando. Medo até de o coração inflar de amor e alegria, feito um balão, e ficar flutuando logo acima do meu sorriso bobo.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Eu quero brócolis!

A Ana pode comer de tudo. De tudo, a Ana pode comer. Não, eu não incentivo com "olha, esse chocolate, come um pedaço, um pedacinho só, que é uma delícia". Mas não deixo de comer na frente dela. Se ela quiser chocolate, está aqui o chocolate, mas não vá se empanturrar...

Clara sempre comeu bem, e lógico que quando ela era menor eu não comia essas gordices perto dela. Nem deixava ela comer. Ela comia legumes, cereais, carnes margas e se acabava nas frutas. E eu junto. Mas quando quis experimentar aqui ou ali, eu não tive coragem de vetar. Sou adepta do caminho do meio - pode tudo, desde que você não abuse de nada.

Mas isso de alimentação... é muito doido.

Para quem cresceu com um prato cheio de coisas saudáveis e multicolorido, vejo a Ana torcer o nariz para os doces.

- Quer um pedaço de goiabada?
- Não, eu quero queijo! Por favor.

O único porém são as balas e os pirulitos. São o lado mais criança da minha criança. Ela pede, ela fica doida se vê. Mas às vezes, no meio da bala, recebo um resto todo babado:

- Mamãe, oh... num quero.
- Por que não, Ana?
Ombrinhos pra cima e pra baixo, não quer mesmo.
- Quero lavar a mão.

E, pra coroar, a cena do último domingo...
Na mesa do almoço de Dia das Mães na casa de uma amiga querida, me pediu:

- Mamãe, quero escovar os dentes!
Alguém interfere - Mas você não vai experimentar o doce de leite?
- Escovar os dentes!
- Tem bala de coco...
- Escovar os dentes! Escovar os dentes!

E começa a chorar. Birra, pra escovar os dentes. Vou gravar, colocar no youtube, e viver dos royalties.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Terceirizando

Ontem à noite, Clara ficou na sala vendo TV enquanto eu fui descansar um pouco na cama. Lá pelas tantas, ela veio, disse que era pra me dar um beijo.

- Mamãe, eu vim te dar um beijo. Agora eu vou embora. Estou vendo a Peppa.

Feliz com o carinho, chamei quando ouvi o intervalo:

- Filha! Vem aqui me ver... Eu quero mais um beijo!

E ela veio, prontamente. Me deu um beijo, um abraço, "te amo", voltou pra ver a Peppa.

Intervalo de novo. Tentei mais uma vez:

- Ô, Ana... Ana Clara...

E ela, na mesma hora:

- Papai, a mamãe quer um beijo!

¬¬

terça-feira, 8 de abril de 2014

Porque o tempo

Porque eu me peguei olhando pra ela e pensando que um dia eu não a conhecia. E já a amava tanto.

Porque ela me disse que precisa do meu colo, que é muito bom, só um pouquinho, por favor.

Porque eu passei uma manhã inteira cantando um dos temas musicais de "A Noviça Rebelde", já que era a única coisa que fazia Clara parar de chorar porque queria dormir no colo e eu precisava lavar as roupinhas dela.

Porque ela pegou um dos meus colares e disse que era um bebê, e cantou para ele dormir bem baixinho. "Seu bebê é uma cobra?". "Shhh...dumiu".

Porque o pai dela, amor da minha vida, virou amor amor maior de duas Anas. "Eu adoro o papai. Adoro o papai".

Porque eu me maravilhei quando ela percebeu que tinha mãos, e hoje me maravilho porque ela diz que "isto é um triangulo, eu gosto" ou "me parece um círculo" e "gosto muito do meu vestido rosa".

Porque ela me diz que está triste, que está feliz, e me pergunta se eu fiquei triste ou se estou feliz, e dá-lhe beijos.

Porque o tempo é implacável, e para o tempo, só o tempo.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

O oitavo chacra

É coisa de filosofia alternativa no ocidente e não-alternativa pras brandas de lá do oriente isso de que o corpo humano tem sete chacras, que distribuem a energia do corpo e podem ajudar (ou nem tanto) na sua saúde física, mental, espiritual. É este o breve resumo do meu diminuto conhecimento.

Pois há quem se aventure e coloque no mundo, com pernas próprias, seu oitavo chacra.

O que seria a Clara, se não o centro de distribuição energética não do meu corpo, mas de toda minha casa? Se o chacra está bem, tudo está bem, e se o chacra desequilibra...tudo desequilibra.

Em tempos de começo de inverno e resfriado que quer pegar, sou lembrada constantemente - com coisa que me fosse possível esquecer - de como ficou impossível desassociar minha existência da dela. Não num sentido patológico, em que eu a queira limitada e embotada por uma forma de amor opressor, mas naquele outro sentido, em que eu quero que ela seja plenamente capaz de viver bem sem precisar de mim, sempre ciente de que sou completamente incapaz de viver se ela não está saudável e alegre e saltitando e pintando as portas com os lápis-de-cor que eu esqueci a uma altura alcançável.

Quando eu estou gripada, estou gripada. O meu corpo fica prostrado e tudo que eu quero fazer é me aninhar debaixo das cobertas e assistir às dez temporadas de Friends.

Quando ela está querendo ficar gripada, um nariz escorrendo, uma tosse, eu quero simplesmente achar o interruptor que a gente aperta e faz ela deixar de querer ficar gripada. Eu quero que a gripe seja transferida, via TED, com compensação imediata, para o meu organismo - arco com as tarifas ou despesas da transação. Fico tomada por essa impotência enlouquecedora que é ser mãe. E ser mãe é uma impotência do cacete, com todo respeito.

Mas ainda assim, ser mãe é o que eu sou com mais afinco.

Falando nisso, ontem, eu resolvi ser o esquilo para colocar o pijama nela, e depois fui a girafa para levá-la até a cozinha para fazer o leite.
- Girafa, não! Não quero!
- Então quem você quer que eu seja?
- A mamãe! Eu gosto mais da mamãe.

De todas as pessoas que eu posso ser, Clara, a que mais gosto de ser é sua mãe.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Nemão

- Mamãe. Ô, mamãe. Vamos ver o Nemão?
- Nemão, Ana Clara?
- É, mamãe. Por favor. Quero ver o Nemo.

Nemo, Neminho, Nemão. Derivações pixarianas.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Pega de surpresa

Aí você chega em casa preparada pra batalha, no seu melhor estilo "bring it on, baby!", só faltando calçar as luvas. E a criança está assim:

- Por favor, mamãe. Licença. Obrigada. Está bom. Tudo bem. Te amo.

De volta ao reino onde "não" é "não", "depois" é "depois", e o som da casa é uma vozinha alegre e não um choro estridente.

Não posso me queixar.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Sexta-Feira 13

Às vezes não é sexta-feira. Não é nem 13. Mas a bruxa está à solta.


O lado bom de ter uma criança que se porta como um adulto:
- Ela é bem resolvida e independente.
- Ela argumenta e conversa.
- Na maioria das vezes, você não se vê as voltas com o poder destruidor inerente à crianças desta idade.

O lado não tão bom de ter uma criança que se porta como um adulto, quando ela está sendo criança e te deixando louca:
- Não adianta dizer coisas como "você vai ficar sentada aí até pensar bem no que está fazendo", porque ela vai ficar sentada lá. Horas, se for preciso. Não tem nenhum efeito.
- Não adianta dizer "você vai ficar sem sobremesa", "você não vai comigo na casa da sua tia" ou "então nós não vamos mais ao shopping". Ela não dará o braço a torcer, no melhor estilo "não vamos? Ok, vou aproveitar pra colocar aquela leitura em dia" ou "quem te disse que eu queria comer sobremesa?".
- Você se vê tentando subverter o jogo, agindo como a criança, simplesmente para explicitar a mensagem de que está descontente.

Foi por este último motivo que eu, ontem, me tranquei no meu próprio quarto - a criança pra fora dele. Se eu ficasse mais um segundo, um segundinho, sob a força do terror psicológico da Ana Clara, a coisa ia ficar física. Antes disso, respirei fundo, e me fechei no meu quarto. Ela não liga de ficar fechada no quarto dela? Pois quem sabe liga se eu ficar fechada no meu.

Cinco minutos depois, ela bateu à porta. Me pediu desculpas. Pediu para abrir. Quando abri, ela tinha colocado o chinelo (um dos milhares de motivos de briga da noite de ontem).

- Mamãe, ó!

Como se dissesse, "veja, que curioso, meus chinelos estão calçados!".

Achei que a briga estivesse encerrada, mas recomeçou por outro motivo menos de 5 minutos depois.

O problema é que Ana não se vê como criança, e está na etapa de testar todo mundo. Some as duas coisas e você tem munição para enlouquecer até o final das olimpíadas do Rio de Janeiro. Some o dia que eu tive ontem e você se vê capaz de entrar no chuveiro sem tirar as roupas.

E é ardilosa.

- Você está triste, mamãe? Ah, pena. Desculpe, mamãe. Eu parei de chorar. Eu te amo. Vou te fazer um carinho.

Quem não conhece que te compre, já diria minha sábia mãe.

E dá-lhe gastar o dia exercitando a criatividade para consertar a estratégia de lidar com a famigerada bateria de testes que me espera quando chegar em casa...

terça-feira, 25 de março de 2014

Festas de Aniversário

Em tempos de pensar no que será o aniversário do pai, que faz 30 este ano, calhei de perguntar:

- E a sua festa, boneca? Este ano, do que será?
- Hmmm... do Gru! E da Dora. E do Babar.

Salta um tema Meu Malvado Favorito + Dora + Babar, por gentileza!

sexta-feira, 21 de março de 2014

Quando não há paciência

É uma bosta. Não ter paciência, é uma bosta. E nem é coisa de que eu precisasse de paciência, nada disso. Ela estava tranquila, estava educada. Não teve birra, não teve manha, não teve quereres. Ela só queria brincar - e eu estava um caco.

Desde o momento em que você pega o exame de gravidez, a culpa dobra. Para duas pessoas, culpa em dobro. Mas a criança sai da barriga e a culpa continua lá, fica grande para um só...

Tudo dá culpa. Quando você está grávida, dá culpa aquele copo de coca-cola. Aquele chocolate. Aquela caminhada mais pesada, que deixou uma dorzinha no pé da barriga. E depois, dá culpa tudo que você come, se o bebê tem cólicas. Dá culpa fazer pé firme para educar. Dá culpa quando você perde as estribeiras e grita. Dá culpa quando você não quer brincar.

E a culpa que mais me dói, é a culpa de não dar atenção a ela.

Não que as outras coisas não deixem culpa...rs.

Mas atenção...é primordial. Que importa a Ana Clara que eu trabalhei o dia inteiro? Que significa para ela uma dúzia de engenheiros mal educados ou mal humorados e uma outra dúzia de obras problemáticas (porque quem já viu obra que não seja problemática, eu não conheço)? E eu estou cansada. E eu só quero dormir. E ela quer que eu seja o monstro, ela quer o livro, ela quer carinho. Ela quer que eu faça as unhas dela. E eu quero ficar com ela. Brincar com ela. Quero acarinhar e beijar e brincar, mas tudo me cutuca, tudo me incomoda, e eu estou uma companhia insuportável. Mas queria ser a companhia dela...

Não se pode querer ser super, vejo as revistas na banca que dizem que eu não tenho que ser uma "supermãe", exigir demais de mim mesma. Mas oras, desde quando isso é ser super? Desde quando é exigir demais? Estar com ela, é o mínimo. Não é nada demais. Não é que eu aprendi a nadar com golfinhos para entretê-la, é só sentar no chão e desenhar a Dora - e vocês tem que ver como ela é generosa com as nossas Doras de palito, "a Dora, mamãe, ficou linda!".

Hoje é outro dia. Hoje é um dia melhor. E eu vou driblar os engenheiros, as obras, o saco cheio, o cansaço e até a preguiça. E chegar até ela. Meu porto seguro, meu motivo.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Da arte de se jogar no chão e outras histórias

Porque eu dou valor às coisas boas, não significa que a vida seja só feita de coisas boas. Clara já fez birra, já me fez passar vergonha no shopping e em aniversário, já foi criança em toda sua glória - mas como não é coisa que ela faça muito ou sempre, eu nem sei direito como lidar com isso. A gente vai aprendendo (ou não, como diria Caetano).

Está numa fase de testes. "Vai você", "pega você", "não!". Tudo bem que ela usa por favor, mas não a faz menos mandona. Há que se ter jogo de cintura.

Aí cheguei em casa, ontem. Foi feriado em São José, eu não trabalho em São José, pior pra mim - melhor pra babá - salve a tia-avó que acolheu e cuidou.

- E aí, como foi o dia?
- O dia foi ótimo. Ela comeu bem, se comportou bem... - e num fio de voz, que se a criança escutar, estraga - não fez nenhuma birra...
- Oi, filha!
- Oi, mamãe! A mamãe chegou! A minha mamãe chegou!
- Como foi seu dia?
- Bom, obrigada.

Fomos pra cozinha, conversando, minha tia arrumando janta. Cacá ficou na sala, brincando, dançando, bagunçando tudo pelo chão (haja chão pra espalhar coisa. Tem mais coisa que chão?).
Volto, dou uma olhada nela. Tudo ok.
Volto de novo, depois de um tempo. Tudo ok, ainda.
Mais uma espiadela, só de leve. Continua tudo 100%.

- Ô, mamãe!
- Oi, boneca.
- Você vem ficá aqui, migo? Por favor?
- Já venho, filha. Estou ajudando a Dedé...
- Ah, pena... Eu vou.

E ela vem pra cozinha, carregada dos livrinhos.

- Leva os livros pra sala, filha, que aqui não é lugar.

E ela leva.

Cadê o neném? Oras, mas se já faz tempo que eu sei que não tem neném, mais, tem menininha, só, por que estou surpresa?
Mas cadê o neném? Fica sozinha. Se vira. Argumenta. "Só um pouquinho, só um pouquinho...". Entende. E daí que tem birra, de vez em quando? Ontem eu fiquei esperando a birra aparecer, só pra ela me lembrar que a Cacá ainda é pequenininha, como ela mesma diz, mas a birra não veio. Danada.

Na ausência da birra, Cacá ficou maior. E independente. Resolvida. Eu pergunto se quer que eu dê, se quer que eu abra - "não, obrigada". Sei que hoje é outro dia, ninguém garante que hoje no chão não esteja a própria Clara - porque eu mandei guardar os livrinhos, porque eu não sentei ao seu lado -, mas é um prenúncio certo, nem prenúncio é, é anúncio, ela está crescendo. A olhos vistos. A ouvidos. A braços que carregam os muitos quilos. Ela está se desenvolvendo, que é bem mais legal que crescer.

É engraçado, isso. A criança nasce precisando da gente pra tudo. Depois começa "vou fazer o mamá sozinha", "eu pego a água!", "mamãe, eu vou lavar a minha mão, tá bom?". A gente vai percebendo que precisar, mesmo, eles não precisam da gente pra praticamente nada. Quando foi que aconteceu o inverso da equação, e eu passei a precisar dela para precisamente tudo?

terça-feira, 18 de março de 2014

A Figura

Eu imaginava e tal, todo mundo sabe que quando chega essa fase de falar de tudo, fazer quase de tudo, a criança fica uma figurinha. Mas quando acontece, mesmo, é impossível que você não se surpreenda pelo menos um pouquinho.

São ótimos exemplos:

* Eu chego em casa, ela vem correndo, me abraça, me beija. Às vezes, sem nenhum motivo especial, ela me pergunta "mamãe, o que você trouxe? Você trouxe pra mim, o quê?". Se eu não trouxe nada, eu digo que não trouxe nada, e ela faz um biquinho. Se eu trouxe, mesmo, dou o agrado. Ou então acontece como ontem.
- Mamãe, o que você trouxe? Você trouxe um pirulito pra mim?
- Ah, filha...! Não trouxe pirulito. Mas eu tenho uma bala. Você quer uma bala?
- Quero!
E eu, como sei que Clara quase não come doces, fiquei com um pouquinho de dó. Poxa vida, quem nunca foi criança e quis um pirulito?
- Olha, hoje a mamãe tem a bala... Mas amanhã eu trago um pirulito, tá bom? Hoje não tem pirulito.
- Ah... Pena!
E depois de um suspiro:
- Bala tá bom. Obrigada.

* Perguntamos se ela quer sobremesa. Com a mão na barriga, ela responde:
- Não, obrigada. Comi taaaaaaantooo.

* Quando estamos tentando fazer alguma coisa importante, pedimos licença. Deve ter sido isso que ela tinha em mente quando o pai estava falando e falando, e ela estava sentada no sofá:
- Papai, dá licença. Estou assistindo a Dora.

* Eu entrei no quarto dela, logo saí. Então ela entrou, ficou parada na porta, e me disse, mostrando com as mãos:
- Mamãe. Este é o meu quarto. Não entre no meu quarto, por favor. Este é o seu quarto. Entre aqui.

* Quando o pai está indo para o MBA:
- Mamãe, papai foi estudar? Ele tá estudando? Eu também vou estudar.
Junta as coisas e vai andando pra porta.

* Quando eu chego do trabalho:
- Tchau, mamãe. Tchau. Preciso ir trabalhar!
De bolsa à tira-colo.

E não acaba. E eu quero lembrar de tudo. Cápsulas de delírio no meu dia.

terça-feira, 11 de março de 2014

Surpresas Linguísticas

Liguei pra casa. A babá atendeu, nos falamos. "A Clarinha está aqui, quer falar com você". "Oi, filha!". "Oi". Falou mais distante, contando para a babá: "É a minha mamãe!".

A "minha mamãe". Também sou "mamãe Ana". Consciente de que todo mundo no mundo tem mãe ou já teve um dia, mas essa é a mamãe dela, e especificamente a mamãe Ana.

É incrível quando seu filho, formerly known as "o feijão", começa a falar. Qualquer coisa já é o máximo. Qualquer coisa que ele nem sabe o que é já é o máximo. Aos dois meses Clara vocalizou "mamã". Eu sei que ela não estava dizendo nada, mas foi logo depois do pai pedir, aos choramingos, "fala papai, fala? Fala papai". A resposta, demonstração das ironias dessa vida, virou episódio muito repetido. Se eu achei o máximo uma vocalização, imagine essa coisa cognitiva, cheia de sentido e intenção, "a minha mamãe". A mãe derrete.

As surpresas vão se esticando. Um dia você percebe que o "mamã" não é mais acidente, é pra você - com todo o jeito de "vem aqui, carambola, que eu estou com pressa!". Vai se desdobrando. Mamãe. Papai. Cacá. "E quem é Cacá?", leva o dedo ao próprio peito e dá um sorriso. E eu que achei que ela nunca teria um apelido, como eu nunca tive, e cheguei a ficar até um pouquinho tristinha por causa disso - todo mundo que é querido e popular tem apelido. Não ter apelido já é o primeiro sinal de que a popularidade está longe. Não ligo para Clara ser popular, mas gostaria que ela fosse querida, como de fato é. E olha como o destino é cheio de peças, não só ela tem um apelido, como foi ela mesma quem escolheu - e pegou. A nossa Cacá.

O cachorro, o outro cachorro, a água. Uma novidade: "por favor". Outra novidade, "obrigada". Começou a dizer "de nada" quando trazia as coisas para alguém, mesmo se a pessoa não se importasse a agradecer - fica a dica, né? Eu trouxe, você deveria agradecer, então "de nada". Esses dias eu pedi que ela bebesse o iogurte, antes de começar a comer a banana. Deu uma bicada. "Só isso não, o iogurte todo, filha". Primeiro ela disse "ê, nóis!", depois bebeu. Impressão minha ou ela me disse "eita, nóis!"? Coisa que eu costumo dizer quando a coisa está meio difícil, meio enroscada. Acho que ela me disse "eita, nóis!".

Atender o telefone. A melhor surpresa de todas, "eu te amo". Suas adoráveis variações, "te aminho" e "te amão". Vem com abraço e beijo, como somos lambonas. Quando estamos saindo, "espera, também vou!". Quando estamos indo embora, "um beijo, papai, um beijo! Tchau, te amo". Quando repreendemos, "hum..." - com biquinho. Quando faço perguntas "ahn?" - olhos arregalados. Quanto não sabe, "não sabo". "Não consegue". "Ajuda, mamãe, ajuuuuudaaaaa!". Quando eu pergunto porque, levanta os ombrinhos ou as mãozinhas, desolada "putê, putê...".

Eu sempre gostei das palavras. De todas elas, em todos os seus contextos, ditas ou escritas ou até pensadas. E aí veio essa aranhinha. Essa aranhinha com todas as suas flexíveis patinhas, e a sua teia. Essa teia doce e gigante, que eu percebo que não vai parar de crescer e me aprisionar cada vez mais. Mas a teia é uma teia de palavras e de sentimentos, de abraços e beijos, de descoberta e de perplexidade. Ela é um pouquinho teimosa, mas nem chega a ser desobediente. Minha dona aranha continua é a tecer.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Monstros

Às vezes fico pensando que não sou uma mãe que senta e brinca todos os dias, e como eu gostaria de fazer isso. Toda a ideia de ser mãe jovem era meio isso, afinal, ter fôlego e disposição para brincar com a minha filha. Então ontem cheguei do trabalho, nós jantamos, e eu peguei a caixa de blocos para brincar com a Ana Clara. Fizemos uma casinha de bonecas.

Mas aí, lá pelas tantas, ela começou a desmontar e montar uma parte da casa, e eu na bagunça, ajudando a desconstruir. O pai, deitado no sofá depois da meia garrafa de vinho que acompanhou o bobó de camarão da quarta de cinzas, também passou a participar - e logo a nossa casinha, que tinha porta, janelas e mezzanino, virou um monte de pecinhas espalhadas pelo chão da sala.

E, de repente, sem que soubesse muito bem como aconteceu, eu e Clara estávamos de pé, e o Rafael também, já com a voz transfigurada e correndo atrás de nós pela penumbra da casa. Ele nos perseguia pelos cômodos enquanto eu e Clara tentávamos ficar em silêncio, desviar dele, dar a volta e sair correndo para outro quarto, para a cozinha, para a sala. Às vezes ele nos alcançava e nos enchia de cócegas, as duas, e então eu era "contaminada", virava o monstro, e ele saía para se esconder com a pequena e protegê-la de mim. Acho que ficamos nisso uma hora, rodando a casa, caindo no chão de tanto rir, escondendo do Monstro da Cosquinha, acendendo e apagando as luzes num festival pirotécnico. Lá pelas tantas, enquanto fugíamos do monstro pai, tentei segurar a Clara, que ia depressa demais, mas mesmo assim a cabeça dela resvalou no batente da porta. Eu me preocupei imediatamente: de que ela tivesse se machucado, que irrompesse no choro, que a nossa brincadeira acabasse em tristeza. Mas ela simplesmente se aproximou de mim e disse num sopro sussurrado, "desculpa, mamãe" - porque aquela batida nos denunciaria, o monstro seguiria o seu som. "Você está bem, filha?", eu perguntei. E ela se virou pra mim mais uma vez, o dedo nos lábios, "shiiii". Silêncio. O monstro vai te escutar.

Ontem, eu e Clara e o pai dela nos perdemos nesse universo mágico que existe colado ao nosso, em que tudo é igual e completamente diferente. A mãe é bruxa, o pai é monstro, e os beijinhos da filha são o antídoto para que eles sejam pai e mãe de novo. Nós gritamos e corremos e caímos no chão, sugados nessa mesma dimensão, dispostos a simplesmente imaginar uma aventura. Mas no final, nem sei se imaginamos - porque nos deitamos, os três exaustos, no chão do corredor, respirando sonoramente e recobrando forças. O pai levantou, depois ela, e me chamou. "Mamãe, vamos dormir?". Vamos, filha. Como você mudou minha vida. Me mudou. E, do meu lado, me deu um abraço apertado. "Você era um monstro, mas eu beijei você, e você acordou". E não é que é quase isso, mesmo?

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Dos brinquedos

De todos os brinquedos que a Ana tem - e, acredite, eu neste dois anos e quatro meses só comprei um, mas a criança tem brinquedos e mais brinquedos -, o favorito é uma bonequinha. Uma bonequinha dessas de plástico bem mais-ou-menos, que não senta, não tem membros articulados, não fecha os olhinhos quando deita e nem cabelo o monstrinho tem. Pra piorar, a boneca tem a boca permanentemente aberta, com um "apito": daí, se você aperta, ela grita.

É um mecanismo muito simples. Você aperta a barriga, a cabeça, a boneca dá um grito. E o negócio chega a ser macabro, porque a boneca grita de um jeito que parece mesmo grito, e alto.

Sempre tive uma relação estranha com bonecas. Quer dizer, eu gostava delas, sempre tive e sempre brinquei. Mas eu não sabia brincar. As meninas iam até minha casa, e elas queriam brincar de mamãe e filhinha, esperar o papai chegar, dar o mamá, essas coisas. Eu queria colocar as bonecas todas sentadas e brincar de escolhinha. As bonecas das quais eu não gostava recebiam um nome do qual eu também não gostava, e iam sempre muito mal em tudo - menos em uma matéria qualquer, só pra manter a verosimilhança com o que a gente vê mesmo acontecendo por aí (ninguém é totalmente imprestável). As bonecas de que eu gostava, e certamente uma acima de todas as outras, tinham o nome que eu gostaria de ter, material escolar completo e boas notas.

Brincando de Barbie, era pior ainda. As meninas que brincavam comigo queriam "pentear o cabelo". "Trocar de roupa". Eu ficava me perguntando o que isso deveria significar. Oras, para mim era muito óbvio: as Barbies serviam para contar uma história e, se não tinha roteiro, eu não via objetivo em brincar. Eu queria que Barbie e Ken se amassem, mas então a irmã dela fugia da casa dos pais e aparecia para morar com eles e complicava tudo. Ou então eles tinham uma filha adolescente, e ela estava naquela fase rebelde - eu tinha oito anos, como poderia querer brincar disso? Ou então eles poderiam estar numa fase de dificuldade financeira e todos tinham que se virar. Eu queria aventura! Eu não queria a vida morna que eu realmente queria ter, desde cedo. Sabia que as bonecas não eram eu, e não me projetava nelas. Ou me projetava: os meus maiores anseios e os meus maiores medos, que eu nunca teria coragem de concretizar, viravam enredo. Mas não eu, eu mesma. De eu mesma, já bastava eu.

E cresci cheia dessas coisas. De pensar em como as bonecas são um brinquedo complicado a valer. Para manter as meninas no seu lugar de meninas, promovendo a segregação de gêneros e o machismo, mas ao mesmo tempo sabendo que eu tinha sido capaz de subverter isso, de enxergar um desdobramento que me fez adorar brincar de bonecas por muito tempo, por mais que fosse uma brincadeira quase sempre solitária, torcendo por uma companhia que topasse fazer de conta que o Ken tinha um filho de outro casamento.

E aí, a Clara. A Ana deste blog, que me fez para sempre a Outra, e não porque eu deleguei a ela qualquer protagonia, mas sim porque ela sempre foi protagonista nas nossas vidas, mesmo enquanto era só projeto. Ela ganhou uma boneca. E quando eu vi o presente, um arrepio me percorreu a espinha.

A primeira boneca, perto de seu um ano de idade, era uma verdadeira sinfonia. Era apertar a barriga e ela começava a cantar, três músicas inteiras - para deleite do bebê e desespero de mamãe. Ainda hoje, às vezes, levanto de madrugada para beber água e piso nessa boneca (que agora, já meio "sem voz" pela ação do tempo nas suas baterias, canta vagarosamente e desafinadamente, com um toque de filme de terror, na calada da noite. As.três.músicas). Mas eu não sei o que senti quando ela chegou. Eu fiquei em pânico. Eu pensei algo como "Deus, eu não aprendi a brincar de bonecas até hoje! Como serei capaz de ensiná-la?".

Vieram outras bonecas e certamente virão mais. Clara tira a roupa e põe a roupa delas, troca a fralda (agora põe no troninho), põe pra dormir ninando, faz acordar e dá de mamar. Não com mamadeira, mas do jeito que ela mamou, ora bolas, no peito. Sai andando pela casa, com a boneca pendura a tira colo, a roupa levantada, e me explica quando eu olho: "ela tá mamando. No peto meu".

E a boneca que grita. A boneca, sem nome, para nós é a "boneca que grita" ou, "o neném que grita", no melhor dos casos. Clara, com um aninho e pouco, imitava fielmente. Alguém apertava a barriga da boneca, dá-lhe um grito ali e outro acolá, a neném de verdade gritando também, no mesmo tempo, e depois rindo a valer da nossa cara perplexa. Se deleitando - mas eu disse que ela nasceu decidida à protagonia.

E fomos levando, como disse o Chico, isso tudo a nos levar. E então eu reparei nestes tempos na Clara e nas bonecas. Que ela abraça e beija, e brinca de roda - pois nos faltam mais crianças para rodar com ela. E lhes sopra ao pé do ouvido, como eu lhe sopro: "te amo". E sei dos gêneros, e do machismo, e da coisa toda, mas quando estou otimista, assim, que nem hoje, eu olho para Clara e não a vejo ensaiando um papel de sociedade, de mãe e de cuidadora. Eu a vejo ensaiando o amor. E este ensaio é bom que só.